#Por Ana Beatriz Mascarenhas
Em 1976 é promulgada a Lei nº 2662, de 29 de novembro que dispõe sobre normas de uso e ocupação do solo no município de Belo Horizonte, considerada a primeira lei de uso e ocupação do solo da cidade.
Na verdade, intitulada Plano de Ocupação do Solo da Aglomeração Metropolitana de Belo Horizonte (POS), a proposta baseava-se num estudo da PLAMBEL – autarquia Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, criada em 1973 e extinta em 1996 – que analisou o ambiente urbano e formulou o zoneamento.
Em 1985 foi aprovada uma nova Lei de Uso e Ocupação do Solo – a Lei 4034/85, que revisou a Lei de 1976, que não apresentava muitas mudanças em relação à anterior; e, em 1996, outra lei seria promulgada. O zoneamento do bairro Santa Tereza era, até então, uma zona residencial *ZR) que permitia residências uni e multifamiliar,es além de comércio local. Os estudos para a nova lei, no entanto, propunham que o bairro se tornasse uma Zona de Adensamento Preferencial em função da sua localização próxima ao centro da cidade além da qualidade de sua infraestrutura urbana.
O Movimento Salve Santa Tereza foi formado em defesa da ADE (Área de Diretrizes Especiais) de Santa Tereza em abril de 1996. O Salve Santa Tereza da época criado por alguns moradores e a então Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza (ACBST), cujo presidente era o músico Marilton Borges.
O objetivo do movimento era lutar para que o bairro mantivesse sua ambiência e teve a adesão de inúmeros moradores e apoio de instituições como a Igreja Católica, o IAB e a OAB, promovendo um “abraço simbólico” em torno da Praça Duque de Caxias.
Dessa maneira, a Prefeitura de Belo Horizonte acatou a demanda do Salve Santa Tereza e o bairro passou a ter normas mais restritivas em relação à sua ocupação, passando a ser uma ADE, Área de Diretrizes Especiais.
Entretanto, a regulamentação da ADE não atendeu todas as demandas reivindicadas pelo Movimento Salve Santa Tereza, pois não inibia o processo de verticalização e o adensamento populacional da área, consequentemente não protegendo a ambiência, ou seja as características e os bens culturais do bairro.
Com novas investidas do mercado imobiliário para a construção de grandes arranha-céus no bairro, fez ressurgir. em 2013, o Movimento Salve Santa Tereza, cujo objetivo continua sendo a preservação da qualidade de vida, das características urbanas e do patrimônio histórico e cultural do bairro.
Assim, foi solicitado pelo movimento à Diretoria de Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, a proteção de Santa Tereza como um conjunto urbano. Um estudo foi elaborado pela Diretoria para fornecer subsídios para que o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural analisasse o pedido de proteção do Conjunto Urbano Bairro de Santa Tereza.
Em março de 2015, então Santa Tereza passou a ser protegido como Conjunto Urbano, restringindo ainda mais as diretrizes altimétricas além de outras como a manutenção do calçamento em pé-de-moleque e arborização a fim de buscar controlar, mesmo que parcialmente, a vulnerabilidade do bairro frente as pressões inerentes ao mercado imobiliário.
A proteção do Conjunto Urbano Santa Tereza ratifica a ideia de que a preservação da dimensão física opera como suporte dos seus aspectos intangíveis, tornando-os indissociáveis.
A meu ver, tanto a ADE quanto a proteção como Conjunto Urbano resultaram de condições favoráveis: na década de 1990 (quando a ADE foi efetivada), a gestão municipal passava por um período de ampliação da participação popular com a implementação do Orçamento Participativo; consequentemente o diálogo dos movimentos populares com a Prefeitura de Belo Horizonte foram, não somente viáveis, como estimulados. E, mesmo que a proteção como Conjunto Urbano viesse quase duas décadas depois da ADE, é possível perceber que a prática de diálogo com os órgãos municipais já está consolidada.
Ainda assim, é importante ressaltar o mérito do Movimento Salve Santa Tereza e da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza (ACBST) que evidenciou a efetividade da participação cidadã durante todo o processo de proteção do bairro, pois vale lembrar que o patrimônio cultural é criado por pessoas e para as pessoas!
Como publicado aqui no SANTATEREZATEM, nos dias 17, 19 e 26 de novembro será realizada a Conferência Municipal de Política Urbana que objetiva discutir as diretrizes para as ADEs, além de questões relacionadas à mobilidade e mudanças climáticas em Belo Horizonte. Neste sentido, é essencial a participação da população nesse debate. Participe!
Referências
MOL, Natália Aguiar. Leis e urbes: um estudo do impacto da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de 1996 em Belo Horizonte. 2004. 142 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Departamento de Geografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.
PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Dossiê para proteção do conjunto urbano bairro Santa Tereza. Belo Horizonte: Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, 2015.
*Ana Beatriz Mascarenhas é arquiteta e urbanista pós-graduada em Gestão Cultural pelo Senac de São Paulo. É mestre pelo programa de pós-graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da UFMG no qual é doutoranda. É idealizadora, coordenadora e curadora do Festival Cine Identidade & Memória desde 201
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