*Ana Beatriz Mascarenhas
Mais um artigo que visa esclarecer as diversas áreas que envolvem a preservação do patrimônio cultural, no caso o exemplo do ocorrido na cidade de São Paulo
A participação cidadã no processo de proteção e gestão do patrimônio cultural é um aspecto crucial, afirma o autor Souza (2011, p.334), que emprega um clichê que convenientemente ilustra esse contexto: “na medida em que, ao sentir-se mais responsável, a população irá cuidar mais e fiscalizar mais […].”
O “Dossiê do Inventário Participativo Minhocão contra gentrificação” publicado em 2019 e realizado pela Rede Paulista de Educação Patrimonial (REPEP) e pelo Movimento Baixo Centro, mapeou as referências culturais dos inúmeros grupos sociais, que residem e trabalham na região central de São Paulo, cuja dinâmica cultural é marcada pela presença e influência do elevado.
Nesse trabalho foram identificadas 45 referências culturais desde celebrações até rodas de samba e teatros de janela. Além de participativo, ou seja, de buscar as diversas noções de referências culturais, o inventário é também uma ferramenta de ação educativa ou de educação patrimonial. Assim, os diversos grupos sociais são aqueles que determinam quais são os objetos, práticas e lugares que dão sentido à sua identidade.
Dessa maneira, o foco principal do trabalho é a preocupação com a manutenção das referências culturais dos grupos sociais, que ocuparam o território do Minhocão e possuem uma associação historicamente construída diante da possível renovação urbana e gentrificação; ou seja, a revalorização do local que consequentemente acaba “expulsando” os moradores em função da elevação dos preços de compra ou aluguel dos imóveis.
O termo gentrification (gentry: classe alta ou dominante; aristocracia) foi usado pela primeira vez pela socióloga britânica (nascida na Alemanha) Ruth Glass em 1964 para “descrever o processo no qual famílias de classe média que, ao invés de se instalarem nos subúrbios residenciais, modelo até então dominante para essas classes sociais, buscavam bairros centrais e desvalorizados de Londres para viverem.
Por essa noção, a autora compreendia, ao mesmo tempo, a transformação da composição social dos residentes de certos bairros centrais, por meio da substituição de camadas populares por camadas médias assalariadas; e um processo de natureza diferente: o de investimento, reabilitação e apropriação, por essas camadas sociais, de um estoque de moradias (BIDOU-ZACHARIASEN, 2006, p.22).
Getrificação no Brasil
No Brasil utiliza-se (além do neologismo gentrificação) o termo “enobrecimento” para designar o processo em que uma camada social é substituída por uma (ou mais) economicamente superior por meio de renovações urbanas, que são promovidas pelo interesse privado para especulação imobiliária, que ocorrem, sobretudo, em bairros centrais, históricos, ou com potencial turístico.
No próximo artigo abordaremos mais especificamente os processos de renovação urbana e suas consequências. Boa semana e até lá!
Referências
BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. Introdução. In: BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De volta à cidade. São Paulo: Annablume, 2006. p.21-57.
CULTURA LESTE. Teatro invade o Minhocão – “Esparrama Pela Janela”, 7, fev. 2014. Disponível em:< https://culturaleste.com/teatro-invade-o-minhocao-esparrama-pela-janela/ >. Acesso em: 18, set. 2022.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
*Ana Beatriz Mascarenhas é arquiteta e urbanista pós-graduada em Gestão Cultural pelo Senac de São Paulo. É mestre pelo programa de pós-graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da UFMG no qual é doutoranda. É idealizadora, coordenadora e curadora do Festival Cine Identidade & Memória desde 201
