Em memória do Pacífico - Santa Tereza Tem
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Em memória do Pacífico

Artigo do escritor ¨Jorge Fernando dos Santos em homenagem ao compositor Pacífico Mascarenhas, que encantou-se nessa terça, dia 9/4.

A história musical de Belo Horizonte não seria a mesma sem a presença de Pacífico Mascarenhas. Morto nesta terça-feira (9/4), ele foi o introdutor da Bossa Nova na cidade. Foi também quem de fato descobriu o talento de Milton Nascimento. Isso em meados dos anos 60, quando os jovens Bituca e Wagner Tiso tinham acabado de chegar de Alfenas, em busca de trabalho.

Pacífico os apresentou a Célio Balona, que conseguiu uma boquinha para os dois se apresentarem numa festa grã-fina. Ali praticamente nasceu o Berimbau Trio (formado por Milton, Wagner e Paulo Braga), que marcaria época na boate de mesmo nome no recém-inaugurado Edifício Maletta.

Vale ouvir o disco do Conjunto Sambacana de 1965 (disponível no Youtube), que traz as primeiras gravações de Milton interpretando canções do Pacífico e alguns parceiros. Este o levou para o Rio de Janeiro, onde o cantor se enturmou e iniciou a brilhante carreira, cujo estouro se daria em 1967, com a premiação de Travessia no FIC (Festival Internacional da Canção) da TV Globo.

Coleção de carros

Lembro-me de quando, ainda menino, vi o Pacífico pela primeira vez. Ele tinha ido à oficina do meu pai, que funcionava em nossa casa, no Caiçara. Seu Mário era um mestre no torno e o ilustre visitante o havia contratado para reformar bancos e rodas de madeira de alguns carros antigos de sua coleção. Era bem grande o acervo que visitamos um dia. Entre as raridades, lá estava o Packard Super Eight 1937 que tinha sido do governo de Minas.

Foi nesse carro que o então governador Juscelino levou Getúlio Vargas ao Barreiro, a 12 de agosto de 1954, para inaugurar a Mannesmann. Foi o último ato político do ex-ditador antes de cometer suicídio dali a alguns dias. Essa joia automobilística apareceu nas minisséries globais JK e Hilda Furacão. Outra preciosidade era o Cadilac que pertencera ao rei do tango, Carlos Gardel. Ele também teria o Host com o qual Hitler presenteou Getúlio Vargas. Sobre isso fiz uma reportagem para a revista Os Brasileiros.

Adolescente ainda, eu folheava um exemplar da revista Manchete quando topei com uma foto do Pacífico com violão em punho. A reportagem discorria sobre sua trajetória musical, como um dos pioneiros da Bossa Nova e autor de músicas gravadas por muita gente famosa. Uma conversa com o meu pai reforçou aos meus olhos a imagem do grande compositor.

Estátua no Minas

Anos depois, redigi e editei reportagens sobre ele e isso nos aproximou. Vez ou outra, o amigo bossa-novíssimo me convidava para assistir aos shows que produzia no Minas Tênis Clube, na condição de diretor social, função que exerceu com brilho ao longo de quase três décadas. Tanto que seria homenageado com uma estátua na porta do clube, na Rua da Bahia, feita pelo escultor Leo Santana.

Foi no Minas 2, na Serra, que Pacífico me apresentou a João Donato, Osmar Milito e Luiz Carlos Vinhas. Em setembro de 2000, assisti no salão de festas do Minas 1 à última apresentação de Baden Powell. Era um concerto coletivo, que incluía os violonistas Toninho Horta, Chiquito Braga, Juarez Moreira, Renato Motha e a cantora Angela Evans.

Baden foi acometido de pneumonia no dia seguinte. De volta ao Rio, foi hospitalizado e morreu pouco depois. O show tinha sido terrível em termos de acústica e Pacífico não gostou do texto que publiquei no Estado de Minas. Choveu telefonemas de sócios do clube na redação, criticando a minha crítica. No entanto, nossa amizade continuou invicta.

O escritor jorge fernando está assentado junto do compositor Pacífico Mascarenhas, perto da estátua dele, tocando violão
Jorge Fernando com Pacífico Mascarenhas junto a sua estátua no Minas – Foto Élen Márcia de Souza

A Turma da Savassi

Quando João Gilberto se apresentou no Minascentro, cometi a ousadia de tentar entrevistá-lo. Quem me passou o seu número foi justamente o Pacífico, que era seu amigo desde os primeiros acordes bossa-novistas ainda na pacata Diamantina. Liguei na cara dura e o gênio atendeu do outro lado da linha, com voz macia. Não quis dar entrevista, mas registrei o fato na reportagem que escrevi.

A música de Minas deve muito ao Pacífico, que disputava com o nosso amigo Gervásio Horta o recorde de canções em homenagem a BH. Com o CD Bossa-novíssima, que reuniu 60 de suas canções interpretadas por vários nomes da música mineira, ele foi parar no Guinness Book.

Sua carreira fonográfica teve início no final da década de 50, quando gravou às próprias custas o disco Um passeio musical, primeiro LP independente feito no Brasil. Entre outras composições, emplacou o samba-choro A Turma da Savassi, que daria nome ao livro que escrevi a seu pedido narrando a história da sua patota de amigos. Sua morte deixa um buraco na minha agenda telefônica e outro na cena musical brasileira.

*Jornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012).

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