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Nostalgicamente historiando

Nostalgicamente historiando: os sonhos não envelhecem

Texto de *Nélio Azevedo

Lendo o livro do Márcio Borges eu fiz uma espécie de viagem no tempo, voltei ao Belorizonte de final da década de 1960, quando o tempo passava mais devagar e as coisas aconteciam perto da gente.

Privilegiado que sou, ficava no apartamento do sétimo andar do Edifício Miraci, no número 1023 da Rua Rio de Janeiro, ao lado do Cine-teatro da Imprensa Oficial, em frente do cine Palladiun e, que tinha aos seus pés, no térreo, o Bar Saloon. Local onde os rapazes do Clube da Esquina se encontravam de vez em quando pra atualizar o papo, mostrar as novas canções e tomar aquele chope delicioso, tirado com arte pelos devotados garçons do local. Local onde eu vi o Sirlan, com suas roupas hippies e seu cabelo desgrenhado, mostrar sua música para o Festival da Canção, Viva Zapátria. Vez por outra via o Milton e alguns músicos.

Um belo dia de domingo, no final da tarde, eu acompanhando o meu irmão Nilson nos encontramos com o Milton Nascimento, magro ainda, vinte e poucos anos, ao lado da bela jornalista Ana Davis, estacionados nos degraus da escadinha que dava acesso ao cinema, ficamos ali conversando e o que mais me impressionou foi o fato de que eles reconheciam o meu irmão que já era um cartunista famoso pelas páginas do Gurilândia com o Negrinho. Fomos assistir ao filme “A Sangue Frio” do Truman Capote, estrelado pelo astro que iria ficar famoso pela série Baretta, na televisão.

Quando eu fiz 18 anos, já podia tomar um chope no Bar Palladiun, na esquina da Rio de Janeiro com Goitacases ou no Pelikano com aquele tira-gosto de moelas mais delicioso do mundo bem próximo do Maletta ou, até mesmo no Meia Lua ou ainda no Hi-fi com seu mexidão famoso nos finais de noite. Dos Milk-shakes ou misto quente do Ted’s ou das Lojas Americanas, de passear pela Avenida Afonso Penna (que ainda tinha dois enes), de andar de trólebus ou jogar bola nas quadras do Parque Municipal. Nos domingos de manhã, depois da missa na Igreja são José, sorvete na Universal e balas de latinha da Lalka, a Avenida do Contorno era bem diferente, com seu imenso canteiro no meio com suas árvores frondosas.

Até as filas do Hospital da Previdência onde a gente ia pra se consultar, das filas quilométricas pra assistir ao maior sucesso da temporada nos cinemas com ar-condicionado, dos deliciosos pastéis da Galeria Ouvidor, acompanhados pelo refrescante caldo de cana, que até hoje ainda é garapa, pra mim.

Das águas cristalinas da ACM do Bairro Serra, até mesmo de um bom mergulho na Lagoa da Pampulha, de comer aquele frango com quiabo ou ao molho pardo no Maria das Tranças, que a gente tinha que atravessar um pântano pra chegar nele, de brincar com os carrinhos do Mangueiras e o footing na noite na Savassi do Bar Chica da Silva e do Varanda’s, onde a gente se assentava no muro da frente e ficava admirando a beleza das meninas que passavam e nem nos viam, de ver os Carros de Corrida Porshe-VW do Chico Serra, das motos da turma do Savassi Moto clube, Dirceu Pereira, Miguelim, Eber Prates, os Karman-guia conversíveis do Joãozinho Borracheiro, sempre acompanhado de belas garotas; da ousadia de uma menina que tirava a roupa e subia no capô do carro nas curvas da pista do Mineirão, onde o Marcelo campos perdeu a vida numa corrida. Um Cruzeiro x Atlético pra completar o domingo.

Da estreia dos filmes Let it be, do Yellow submarine, Noviça Rebelde, Girassóis da Rússia, Dr., Jivago, do Tubarão, de todos os 007, das hilariantes comédias do Peter Sellers ou do Jerry Lewis, a gente adorava o cinema, era a nossa janela para ver o mundo num tempo que não existia a Internet. Houve uma vez um verão e ensina-me a viver, Midnight Cowboy e 2001 uma Odisseia no Espaço, esses filmes ficaram na nossa memória e nas nossas retinas pra sempre.

Da compra dos compactos dos Beatles, dos LP da moda que só encontrávamos na Diskoteca ou na Prodel, o divino Inferno do som. O máximo do luxo seria cortar os cabelos no salão do Nero ou jantar no Bierhaus ou mesmo na Cantina do Lucas, ou no Tavares com suas carnes de caça ou no Restaurante do Porto com suas delícias de bacalhau ou ainda, espichar a noitada no Tip-Top com sua tradição em atender até o último cliente sem fechar.

Como se pode ver, BH já teve uma vida cultural intensa, a gente era muito feliz e sabia…

 Nostalgicamente historiando.

*Texto de Nélio Azevedo, natural de Raul Soares, escritor e quadrinista nas horas vagas.

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