Adeus a João Donato - Santa Tereza Tem
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Adeus a João Donato

Compositor ligado à bossa-nova, Donato morre aos 88 anos (Foto: Instituto Moreira Salles)

Por Jorge Fernando dos Santos

Não me lembro quando foi, mas sei que foi no Minas 2, no Mangabeiras. João Donato se apresentava a convite de Pacífico Mascarenhas, que se tornaria meu amigo e parceiro. Quando lá cheguei, esse fez questão de me apresentar ao artista. Para minha surpresa, Donato, que trazia uma câmera fotográfica pendurada no pescoço, bateu uma chapa minha e se distanciou em seguida, fotografando outros fãs.

Também não me lembro do show. Essa, aliás, é a vantagem de carregar nas costas o peso do tempo. A gente simplesmente vai deixando migalhas de memória espalhadas pelo caminho. Donato, por sua vez, já não precisa se lembrar de nada. Mergulhou no sono eterno, feito passarinho, aos 88 anos de vida e de arte.

Voltando àquela noite no Minas 2, passados alguns dias, perguntei ao Pacífico pelo músico. Ele me disse que João Donato se encantara tanto com o Mercado Central que chegou a comprar duas galinhas vivas, com as quais tentou embarcar em Confins. Claro que não conseguiu! Teve que deixar as pobrezinhas na sala de embarque, junto com tesouras, canivetes e cortadores de cutículas de outros passageiros desavisados.

E ei que sua esposa (ele havia se casado com uma moça de Brasília) ligou pro Pacífico perguntando pelo marido, que ainda não tinha chegado em casa. Soubemos mais tarde que Donato havia embarcado para o Nordeste e se esquecera de avisá-la.

Era assim o João II da bossa-nova. A exemplo do Primeiro (seu amigo João Gilberto), além da genialidade, ele tinha suas manias. Agora, ambos se reencontram nas estrelas, onde o show não para nunca. E a nós, reles mortais, restam suas músicas, imortalizadas em inesquecíveis gravações que o tempo jamais apagará.

*Jornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012).

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