Representação do negro e da negra na pintura brasileira - Santa Tereza Tem
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Representação do negro e da negra na pintura brasileira

*Por Larissa Peixoto

Durante o mês de novembro, em todo país são realizados eventos do Mês da Consciência Negra, já que o dia 20 de novembro foi institucionalizado como Dia da Consciência Negra, sendo feriado em alguns estados e municípios.

A data serve para relembrar a tortura imposta sobre as pessoas negras escravizadas no Brasil, para recontar a dívida histórica que a existência do Brasil tem com seus descendentes, para situar a desigualdade que ela causa e para planejar um caminho futuro.

Enquanto a presença da população negra, a contribuição que ela trouxe e traz à construção permanente do Brasil e a estrutura racista na qual vivemos, que diminui e apaga essa contribuição, o fato é que essa mesma estrutura racista nos relega a garantir que pelo menos em um único dia isso seja feito de fato.

A realidade é que o Brasil foi construído nas costas de negros e negras, escravizados e, quando libertados, relegados a uma classe sócio-econômica mais baixa, sem acesso às oportunidades necessárias para serem integralizados no cotidiano da sociedade brasileira. 

“Lavrador de café”, Cândido Portinari, 1939

Sendo assim, enquanto seria ideal que o currículo e os eventos culturais do ano todo tivessem a presença do negro e da negra, esse ainda não é o caso. Ainda é necessário ter eventos concentrados, que chamem o máximo de atenção para a participação do afro-brasileiro em nossa sociedade. 

Por isso, o Santa Tereza Tem decidiu fazer uma breve compilação da representação do negro e da negra na pintura brasileira. A representação nas artes visuais é maneira mais explícita de ver como o negro e a negra foram vistos em determinadas fases da nossa história e como são vistos hoje.

As principais representações do negro e da negra no Brasil começam no Modernismo, com atenção especial dada por artistas como Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Emílio Di Cavalcanti e Anita Malfatti. Essas representações não acontecem sem controvérsias. Algumas críticas afirmavam que os modernistas criavam caricaturas dos negros, negras, “mulatos” e “mulatas”, sem abordar a realidade dessas pessoas. Muita atenção é dada à figura física, homens trabalhando e mulheres com seios fartos ou semi-nuas.

“A Negra”, Tarsila do Amaral, 1923

Apesar disso, a beleza dos traços e uso das cores é indiscutível: os quadros mostram como se dá a presença do negro e da negra no Brasil, trazendo as curvas da boca, dos seios, do nariz para o físico do brasileiro e da brasileira e as cores fortes e festivas para a cultura e festas tradicionais.

Indiscutivelmente, é uma percepção da realidade àquele momento. O Modernismo se deu pouco tempo depois da abolição: o que poderia ser considerado um engessamento dos estereótipos também pode ser visto como a exposição da continuada marginalização dos negros e negras no Brasil.

Abigail, de Di Cavalcanti, 1947

O quadro de Armando Vianna, “Limpando metais” (1923), mostra a empregada doméstica trabalhando, mas com um olhar distante, triste, como se estivesse sonhando, não se sabe se com o passado ou com o futuro . Os avanços feitos pelo Modernismo em colocar o negro como sujeito também permitiu o avanço de artistas negros, como Heitor dos Prazeres. 

A pintura contemporânea escapa das limitações de um movimento artístico determinado, tomando liberdades de temas, composições, cores, materiais e texturas. O negro e a negra são representados de diferentes formas, ora como crítica social, focando na marginalização social e econômica, ora como personagens históricos e parte da construção do país e também como personagens fortes e movimentadores da própria cultura. O pintor Inimá de Paula focava em personagens sem rosto, generalizando a história do personagem representado para o próprio espectador.

Mesmo sua representação de “Capitães de Areia” (1975), um livro famoso de Jorge Amado, os rostos estão tampados. Em “Três Mulheres” (1977), dois rostos são visíveis, mas sem expressão. É a linguagem corporal que prevalece, o apoio que elas se dão. (Autorização de imagem cedida pela Fundação Inimá de Paula).

O mural de Yara Tupinambá “Belo Horizonte do Século XVIII ao Século XXI” (2010) mostra, quadro a quadro, o papel do negro e da negra na construção da cidade, escravo, trabalhador e cidadão. O mural fica na Câmara Municipal de BH. (foto abaixo)

Belo Horizonte do Século XVIII ao Século XX

Rosana Paulino faz uso de vários materiais e foca na negra e as limitações impostas a ela pela sociedade. Assim, o desfiguramento dos olhos, boca e pescoço são indicativos do silêncio imposto sobre a mulher negra enquanto vítima de violência física, psicológica e emocional (Imagem à esquerda: “Bastidores”, Rosana Paulino, 1997). Para completar suas obras Paulino trabalha sobre imagens históricas, particularmente, fotos. No desenho “Proteção extrema contra a dor e o sofrimento 1” (2011, à direita), a mulher se envolve em suas lágrimas, ao mesmo tempo segurando o ventre com as mãos.

Bastidores de Rosana Paulino – 1997

Alex Hornest, 2008) e Vik Muniz também usam materiais inusitados. Hornest dá atenção ao cotidiano e também à sua história pessoal usando o grafite como material principal.

Alex Hornest, Auto-retrato

Muniz mistura na sucata um sentimento de alegria e tristeza, como nas imagens de Wasteland, de 2009 sobre catadores de lixo no Rio de Janeiro e “Sugar Kids”, de 1996.

Ver  a história dos negros e negras no Brasil com imagens deixa um gosto amargo e doce. A beleza das telas se mistura com a tristeza do passado e do presente, criada pela desigualdade extrema que afeta os negros e negras de forma violenta. Mas também deixa esperança para um futuro mais igual, mais livre, mais cheio de oportunidades.

Os negros e negras ainda são o sustento da nossa sociedade e não recebem o reconhecimento que lhes é devido. Mas isso há de mudar, se conseguirmos mudar o pensamento, avaliar as políticas públicas e distribuir a riqueza (grande parte dela, conseguida com o trabalho escravo).

O trajeto não é fácil e o caminho ainda é longo e tortuoso. Mas ele traz beleza, alívio e a promessa de um mundo melhor.

*Larissa Peixoto é doutora em Ciência Política pela UFMG

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