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Uma voz inesquecível

Há dez anos, morria em Belo Horizonte a cantora Helena Penna

Por Jorge Fernando dos Santos*

Dona de uma das vozes mais bonitas do país, a cantora Helena Penna foi o único nome da música mineira a receber o Prêmio Sharp. Sua carreira foi meteórica e sua morte, ocorrida em 2012, deixou um vazio na vida daqueles que a conheceram. Nos tornamos amigos em 1984, quando ela atuou na montagem de “Morte e vida Severina” (de João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque) pelo Grupo Tecla (Teatro Clube da Amizade).

Helena ganhou o Prêmio Sharp pelo disco “Marias”, como revelação da MPB | Divulgação/Charles Duarte

Dirigido por Wenceslau Coimbra Filho, o Tecla era um grupo amador criado pelo Padre Antônio Gonçalves e reunia pessoas de várias idades e profissões. Helena era uma delas e se destacava pela voz e pela presença de palco. Natural de São Bernardo do Campo (SP), mudou-se ainda bebê com a mãe e os irmãos para Diamantina, onde cantou em público pela primeira vez aos 11 anos, num parque de diversões.

Graças ao talento esportivo do irmão José Maria Pena, que se tornaria craque do Atlético Mineiro, a família pôde se transferir para a capital. Mezzo-soprano de timbre aveludado, Helena cresceu sob influência das serestas e de cantoras como Elis Regina, Elizeth Cardoso e Sarah Vaughan. Começou a carreira cantando em casas noturnas, mas, como o couvert artístico era incerto, tornou-se cabelereira e montou o próprio salão. Isso lhe possibilitou estudar História na antiga Fafi-BH, cujo coral passou a integrar.

Decidida a se profissionalizar na música, Helena sempre incluía compositores mineiros em seu repertório. Foi presença marcante nos musicais “Chico Viola” (1985) e “Garimpo – Lugar ao sol” (1987), ambos de minha autoria. Também atuou no espetáculo “Chico Rei”, de Walmir Ayala, outra montagem do Grupo Tecla, com Pedro Plínio Sabará no papel principal. Quando cantava na peça, ela arrancava aplausos em cena aberta.

Viagem musical

Tão logo nos conhecemos, passei a escrever roteiros para os shows de Helena Penna. Um deles, intitulado “E agora, Brasil?”, teve a melhor bilheteria do Projeto Fim de Tarde, em 1989. Pouco depois, fizemos “Subir Bahia”, com músicas de Gervásio Horta, Rômulo Paes, Celso Garcia, Pacífico Mascarenhas e do Clube da Esquina. Também bolamos um espetáculo sobre os 500 anos do descobrimento da América. “Do Oiapoque ao Mississipi” fazia uma viagem musical pelo continente, com músicas em inglês, português e espanhol.

Em 1994, Helena me telefonou dizendo que ia gravar seu primeiro disco e gostaria de incluir músicas de minha autoria. Com produção de Tião Rodrigues e repertório quase todo inédito, “Marias” lhe rendeu o Prêmio Sharp de cantora revelação de MPB em 1996, ano em que o homenageado era Milton Nascimento. A terceira faixa do CD era o samba “Terra Brasilis”, que fiz em parceria com Ângelo Pinho, nossa primeira canção a ser gravada.

Helena queria incluir outras composições nossas na bolacha, mas sugeri que, em vez disso, gravasse um clássico em inglês e outro em espanhol, o que certamente ampliaria seus horizontes. Escolhemos “Triste”, de Tom Jobim, na versão cantada por Sarah Vaughan, e “Canción con todos”, de C. Isella e Tejada Gomez. A partir daí o teatrólogo Otávio Cardoso passou a chamá-la de “Mercedes Sosa brasileira”. “Uma cantora que o Brasil precisa conhecer”, diria o crítico Zuza Homem de Mello, jurado do Prêmio Sharp.

Homenagem a BH

Em 1997, produzimos o álbum “Beloriceia”, reunindo outras parcerias com Ângelo Pinho em homenagem ao centenário de BH. Como no primeiro trabalho, nossa intérprete convidou o maestro Geraldo Vianna para a direção musical. Gravado nos Estúdios Bemol por Dirceu Cheib, o CD reuniu quase 40 músicos, incluindo um coro de cantoras e convidados especiais, como Marilton Borges, Maurício Tizumba, Chico Amaral, Saulo Laranjeira e o Quinteto Tempos de Rufo Herrera, autor de um dos arranjos.

Com seu porte de rainha africana, Helena era uma pessoa alegre, generosa e batalhadora. Quando esteve no Teatro Municipal do Rio de Janeiro para receber o Prêmio Sharp, fez contato com artistas que admirava, entre eles Caetano Veloso, Beth Carvalho, Jorge Ben Jor, Luiz Melodia e Cássia Eller – que a elogiou numa entrevista ao jornal Hoje em Dia. No entanto, nunca conseguiu viver exclusivamente de música.

Mesmo participando de programas de audiência nacional, como o “Sem censura”, com Leda Nagle, e o “Jô Soares onze e meia”, além de ter cantado na Itália e em Cuba, ela continuou dependendo da atividade de cabeleireira para pagar as contas. Com o tempo, desenvolveu diabetes, doença que não demorou a sair de controle. Em julho de 2012, para ajudá-la no tratamento, cerca de 40 músicos realizaram o show “Todos por Helena Penna”.

Na ocasião, lançamos uma coletânea em CD, incluindo gravações suas que permaneciam inéditas. Entre elas, o samba “Passional”, de Vander Lee, que a acompanhara no início da carreira. Depois de sofrer três AVCs e amputar uma perna, Helena Penna foi levada do Hospital da Unimed ao Palácio das Artes lotado, onde se emocionou ao receber “as flores em vida”. Foi a última vez que nos vimos. Ela morreria em 14 de setembro, aos 62 anos, deixando muitas saudades e o nome gravado na memória da música mineira.

Ouça o álbum “Beloriceia”.

Jornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012).

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