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Maio, antes que você me esqueça

Peça aborda o Alzheimer com delicadeza e emoção

*Por Jorge Fernando dos Santos

‘Maio, antes que você me esqueça’ mostra que o homem é a própria memória, sem a qual se desumaniza e se perde
Maurício Canguçu e Ílvio Amaral dão aula de teatro no espetáculo de Jair RasoMaurício Canguçu e Ílvio Amaral dão aula de teatro no espetáculo de Jair Raso (Raquel Guerra/divulgação)

Jorge Fernando dos Santos

Com o aumento da longevidade, o Mal de Alzheimer se faz cada vez mais presente. Poucas famílias ainda não lidaram com essa doença, degenerativa e avassaladora. Até agora, no entanto, o tema era quase inédito nos palcos. Conhecedor do assunto, o neurologista e dramaturgo Jair Raso escreveu a peça “Maio, antes que você me esqueça”, em cartaz de sexta a domingo no Teatro da Biblioteca Pública, em BH.

Com direção e iluminação do próprio autor, o espetáculo tem no elenco Ílvio Amaral e Maurício Canguçu. Companheiros de vida e trabalho há quase 30 anos, ambos dão um show de interpretação ao encenar o drama da convivência entre um pai com Alzheimer e o filho ressentido, que o recebe em casa para um final de semana, numa espécie de acerto de contas.

Trata-se de uma comédia dramática, com lugar para o riso, a emoção e a reflexão sobre as relações familiares, a velhice e a enfermidade. O texto foi escrito há quase uma década, mas ficou na gaveta até que os atores se sentissem suficientemente maduros para encená-lo. Valeu a espera, pois o resultado é algo raro no teatro dos nossos dias.

Aula teatral

A interpretação de Ílvio Amaral é surpreendente. Habituado a vê-lo em papéis cômicos, como o protagonista da comédia “Um espírito baixou em mim”, o público se comove diante da sua nova performance. A construção do personagem Hélio segue a receita de Stanislavski, o criador do famoso “método” de interpretação. O velho enfermo nasce de dentro para fora, como pessoa real com a qual poderíamos conversar depois do espetáculo.

Em contraponto, Maurício Canguçu construiu seu papel brechtianamente. Isto é, com distanciamento crítico diante do personagem Mauro. Nesse sentido, o jogo de cena entre os dois atores torna-se uma aula teatral, na qual o espectador tem a oportunidade de se emocionar diante de situações verossímeis, trágicas e (por que não?) engraçadas.

Com cenário e figurinos de Andrea Raso, diálogos bem escritos e situações comoventes (longe se ser didático ou piegas), o espetáculo de Jair Raso vai fundo no tema do Alzheimer com delicadeza e emoção. Encenada pela Cangaral Produções, a peça estreou no ano passado, no Teatro Feluma, e poderia ser roteiro de um excelente filme.

Prevista até julho, a nova temporada é uma oportunidade para ver ou rever um dos melhores trabalhos da cena mineira dos últimos tempos. Lição de afeto e empatia, “Maio, antes que você me esqueça” mostra que o homem é a própria memória, sem a qual se desumaniza e se perde.

Jorge Fernando dos SantosJornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012).

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