Santa Tereza tem memória: Seu João e Dona Totinha - Santa Tereza Tem
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Santa Tereza tem memória: Seu João e Dona Totinha

Santa Tereza é cheia de histórias. E uma delas é do João Mayrink Barbosa e Francisca da Anunciação Mayrink, mais conhecidos no bairro como seu João e dona Totinha.

Nascidos na pequenina Jequeri, perto de Ponte Nova, os dois se apaixonaram, casaram em 1947 e em 1953 mudaram. sabem pra onde? Santa Tereza, na Rua Quimberlita. Mais tarde foram para a Rua Eurita, morar em pequeno barracão, em frente à casa da mãe de Totinha, dona Clara Martins Nunes, a dona Clarinha.

A dona Clara era também mãe do seu Virgílio Martins de Abreu, o Zizito, hoje com 102, fundador da famosa Casa Paraibana na Rua Mármore.

Mulher empreendedora

Quem nos conta esta história filha deles, a Andréa Martins Mayrink, moradora de Santa Tereza. “Nessa época, meu pai, funileiro, trabalhava em uma metalúrgica. Ganhava muito pouco e minha mãe ajudava vendendo roupas, jóias e  Avon, na cidade toda.   Ela, inclusive ganhou um troféu de Campeã Nacional de vendas de Avon, que guardamos até hoje, com muito orgulho”.

O casamento em 1947, na cidade de Jequeri

Apesar de ter de cuidar dos cinco filhos, (João Carlos, Clara, Vera, Elisabeth e Andréa), Dona Totinha tinha animação de sobra para trabalhar e tino para os negócios.

Uma de suas principais características era a ousadia, fundamental em uma verdadeira empreendedora.  “ Batalhadora, segundo, sempre ouvimos, ela ousou comprar um apartamento que estava em construção, na rua Mármore, próximo à Praça Duque de Caxias. Ousou, porque a prestação do imóvel era, praticamente, o valor que meu pai ganhava por mês. Ele, com razão, relutou, mas ela o convenceu a comprar, pois pagariam com a ajuda das vendas que ela fazia”, observa a filha caçula, Andréa. 

Mercearia da Totinha

Dar sustos no marido com suas ideias ousadas era praxe de Totinha. Assim, em 1967, propôs quem comprassem o ponto de um armarinho, da Dona Edite, na Rua Mármore. Como sempre, ela convenceu o Seu João.

Aos poucos o casal foi transformando o armarinho em Mercearia e expandiram a oferta de mercadorias, onde vendiam de tudo um pouco, bem aos moldes daquelas vendinhas antigas. O nome da Mercearia era Dona Clara, em homenagem D. Clarinha, mãe de Totinha. Mas no final, os fregueses só chamavam de Mercearia da Dona Totinha.

Andréa lembra que durante a semana, o local funcionava como mercearia e bar. “Lá podia-se comprar chocolates, balas, linhas, botões, bombinhas, linha para papagaio, bolinhas de gude, bonecas, brinquedos, pregava-se ilhós, vendia-se cachaça (para desespero do meu pai, que não gostava deste “lado bar”), enfim… o que não tinha, minha mãe dava um jeito de conseguir e vender. Ela dizia: “vai chegar! ”.  Procurava pra comprar e colocava lá, sempre atendendo os clientes”.

Desde aquela época a Rua Mármore era o centro comercial do bairro, pois ao lado da mercearia à direita, subindo a rua, havia um sapateiro, que era conhecido por Coragem ou Corage, uma agência dos Correios que funcionou por muitos anos e que depois deu lugar a um bar; mais acima, havia a Casa Natal e a Padaria Seleta, relembra Andréa.

Frangos famosos

Ela conta ainda que “minha mãe, sempre com uma visão além, viu na venda de frangos, uma possibilidade a mais de crescimento e começou a vendê-los, inicialmente apenas vivos. Meu pai, habilidoso que era, fez umas gaiolas de madeira, que ficavam do lado de fora, no passeio. As pessoas escolhiam os frangos e os levavam vivos. Depois veio a ideia de abatê-los e vendê-los “frescos””.

O abate era função de Seu João. Nos finais de semana, ele levantava ainda com o escuro para abater as aves e abrir a mercearia às 6 horas. Logo chegavam a Totinha e alguns dos filhos para ajudar na venda.

Onde hoje está este prédio, na Rua Mármore, eram vendidos os frangos na Mercearia da Totinha

A fama dos frangos abatidos em Santa Tereza se alastrou e a freguesia cresceu, com as filas, segundo Andreia, tomando a rua. “O principal restaurante do bairro, que ainda existe, era um dos clientes fiéis. Vinha gente de toda a cidade, inclusive teve um Governador que adorava molho pardo que era feito com os frangos fresquinhos. Esse era também um diferencial. Quem comprava o frango, ganhava o sangue que podia ser talhado ou para fazer o molho pardo.  Hoje em dia, claro, não seria possível isso, nem comercializar, mas era outra época”.

Frango atropelado

Um fato interessante nos narra a filha da Totinha: “Como nem todos podiam comprar, tinha a clientela que ganhava, no final do dia partes que sobravam… pés, pescoço, miúdos. Vinham sempre no final do expediente e sempre levavam algo. Lembro que tinha uma senhorinha que era chamada D. Índia que vinha toda semana, do Santa Efigênia. Vinha a pé. Ela era bem velhinha e muito vaidosa. Tinha os cabelos grandes e grisalhos e vinha toda arrumadinha. Era como se aquele dia, fosse o passeio semanal dela”.

Outra curiosidade era o frango atropelado. Mas o que é isso? A Andréa responde pra gente: “muitos pediam o “frango atropelado”, que era aquele frango com quatro pés, dois dorsos, três pescoços e uma ou duas coxas. Hoje, já se compra as partes do frango separadas, mas naquela época, não era comum achar em supermercados e açougues, então, cada um montava seu frango atropelado como queria”.

Os descendentes de Toinha e Joãozito

Como tudo na vida é um círculo, que um dia se fecha, Andréa lamenta que “infelizmente minha mãe, já estava diabética, adoeceu mais gravemente, e parou de comandar a venda. Meu pai e meu irmão João Carlos, ainda ficaram um tempo”.

Por volta de 1993, a mercearia foi fechada, para que Seu João cuidasse de sua Totinha, que ficou acamada por sete anos, e faleceu em 2000. Seu João, em 2002, sofreu um AVC e ficou acamado por cinco anos, falecendo em 2007. Atualmente, onde era a Mercearia da Totinha, há um prédio residencial.

“Eram tempos muito diferentes dos de hoje, mas com certeza deixaram saudades em muitos moradores de Santa Tereza. Havia muitos personagens marcantes no bairro. Meus pais, com certeza, foram dois deles. Muitos se lembram da D. TOTINHA e do SR. JOÃO!”, finaliza Andréa.

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