Artigo: Mulheres não precisam pagar menos na balada - Santa Tereza Tem
Logo

Artigo: Mulheres não precisam pagar menos na balada

Artigo: Mulheres não precisam pagar menos na balada

*Larissa Peixoto

Após passar a febre da polêmica, levanto alguns pensamentos em torno da ilegalidade da cobrança de ingressos mais baratos para mulheres em bares, boates e shows. Iria fazer um breve comentário sobre igualdade de gênero e o tratamento de mulheres como parte do entretenimento oferecido pelo ingresso mais barato. Mas vi a nota da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (ABRAP) sobre a questão e conclui que precisava escrever um pouco mais contra a discriminação, preconceito e mente pequena ponto a ponto.

“A prática legal do livre comércio, não pode sofrer censura, nem interferências em razão de posturas ideológicas ou de gênero, exceto se ferir direitos individuais ou sociais.”

Primeiro, a nota da ABRAP cita a Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, que começa com “assegurar o exercício dos direitos e individuais (…) de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” e continua com “todo o poder emana do povo”, para defender seu direito de cobrar o que quiser, de quem quiser. Porque, sem dúvida, isso é muito mais importante do que o primeiro artigo do primeiro capítulo: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. A nota até cita o artigo da Constituição, mas o considera menos importante que seu direito de usar mulheres como objeto sexual para vender seus eventos. Então para explicar bem explicado: cobrar ingressos mais baratos ou, ainda, não cobrar a entrada de mulheres, é usado como forma de “vender” os ingressos mais caros para quem os promoters acham que realmente vai gastar dinheiro – homens. Homens, por sua vez, na cabeça desses promoters, não são muito mais que animais à caça de álcool e presa, na forma de mulheres.

Notem nos cartazes como a entrada feminina é alardeada, tanto em eventos. A presença das mulheres, em alguns lugares tão incômodas (quantas mulheres será que são associadas à ABRAPE?), em shows e boates é tão desejada que até é gratuita. Mas por que perder dinheiro fazendo isso? A ideia é que homens só vão onde há mulheres para dar em cima; então para garantir a presença delas, o preço é mais baixo ou inexistente. Ninguém está realmente interessado no show, em dançar, sair com amigas e amigos, se divertir.

“O setor de entretenimento é a única atividade econômica desse país que sofre o confisco de 50% da sua receita bruta pela obrigatoriedade de conceder descontos para estudantes, idosos, jovens de baixa renda, doadores de sangue, professores e muitos outros, sem nenhum tipo de contrapartida ou benefício. (…) Estar obrigado a cobrar mais barato de estudantes, idosos, jovens de baixa renda e outras categorias, não é discriminação? Aqui pode se escolher a vítima: os citados acima ou os artistas e promotores de eventos”.

A nota coloca o setor do entretenimento como uma pobre vítima, passando fome, em comparação à riqueza acumulada de estudantes, idosos e professores. Eu conheço muitos professores, tenho certeza que prefeririam um salário decente e pagar preço integral do que ter desconto. E ainda estou para ver um cinema ou peça de teatro cobrar valores diferentes para homens e mulheres ou uma casa de show me dar desconto por causa da minha carteirinha de estudante (um dos pouquíssimos benefícios de ser uma doutoranda). Sinceramente, a Associação Brasileira de Promoters é uma “vítima” de discriminação? Ainda mais considerando que os preços são todos inflacionados de forma que as meias-entradas não interfiram com os lucros?

“Dentro dessa lógica, no Dia das Mães ou dos Pais, não poderá haver promoções de qualquer tipo, por estar discriminando. E o que dizer do Dia dos Namorados? E também do Dia Internacional da Mulher?”

E aí vem a última peça do machismo, para fechar com chave de ouro. Eles equiparam promoções de feriados comerciais, um deles inventado há duas décadas pelo pai do João Dória, com seu sofrimento diário de atrair mulheres com preços baixos e homens com as mulheres para o forrozinho da esquina, com o Dia Internacional da Mulher. O dia internacional de dar rosas e ignorar o ranking do Brasil como quinto país mais violento contra mulheres no mundo. Ignorar que a Delegacia Especial de Mulheres ficada lotada no final de semana por causa de parceiros bêbados, que enchem a cara, muitas vezes na balada que pagaram mais caro para entrar, e espancam suas namoradas ou esposas.

Fato é que os promoters não perdem dinheiro nenhum de um jeito ou de outro. Se mulheres não pagam entrada e homens pagam R$ 20,00, é só cobrar igualmente, R$10,00 de todo mundo. Cobrem R$ 15,00 e aproveitem e sirvam uma cerveja de melhor qualidade ou comprem mais papel higiênico. O que estão reclamando é que perderam a estratégia de marketing mais antiga do mundo: se você vier, amigão, vai ter mulher gostosa lhe esperando. Vamos tratar melhor nossas mulheres e homens, por favor? Nós não somos a atração a ser vendida e os homens não precisam ser tratados como animais na savana.

*Larissa Peixoto – doutoranda  Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais

Anúncios