Da janela lateral - Santa Tereza Tem
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Da janela lateral

Da janela lateral, um jovem acompanha o início da história musical de outros  jovens no final da década de 60

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Da janela, Roberto Casarões via os “meninos” tocarem violão e assar linguiça

Da janela lateral do quarto de dormir o médico Antônio Roberto Casarões, de 65 anos, viu nascer o Clube da Esquina. Natural de Conselheiro Lafaiete, ele é morador de Santa Tereza desde 1966, quando, com 15 anos, veio dividir a casa com uma tia e um tio. Com o tempo, o imóvel cresceu, foi feito mais um andar e um “puxadinho” para abrigar outros membros da família, como acontece com muitas residências do bairro.

 Durante 42 anos, Antônio Roberto morou em outros locais da capital, mas há três resolveu resgatar as origens. Voltou para o imóvel da esquina da ruas Divinópolis com Paraisópolis, integrou as diversas partes da casa, reformou e vive com a esposa Daniela.

Roberto Casarões na juventude olhava da janela a turma do Clube da Esquina

 Ao contrário do tio Daniel, conhecido como Professor, o médico gostava de ouvir os violões e as canções tocadas e cantadas pelos jovens que dividiam a lua, a noite e até a solidão.  “Quem não gosta de ouvir uma boa música? O meu tio implicava, mas eles simplesmente continuavam”, lembra-se.

     Junta fogueirinha de papel

Tudo começou com os irmãos Borges, que moravam na Rua Divinópolis. Era o final dos anos 60, década de 1970. Foi Maria Fragoso Borges, mãe de Lô Borges, quem, pela primeira vez, nomeou aquela reunião de jovens que tinham o futuro nas mãos como o Clube da Esquina. A turma original era Lô e Yé Borges, Joãozinho, Amauri, Landinha, Dago, João Luiz e Beto Roncaferro. E foi chegando mais gente que esperava as janelas se abrirem ao negro lunar: Milton Nascimento, Tavinho Moura, Toninho Horta, Wagner Tiso, Beto Guedes, Marilton, Naná…

A turma do Clube na esquina

Segundo Casarões, todos os dias eles batiam ponto em frente à casa.  Enquanto esperavam o fundo da noite chegar e sonhavam com a liberdade e a união entre homens, aqueles irmãos de sangue e de fé faziam uma fogueirinha, assavam linguiça, tomavam vinho e tocavam violão, cenário do qual se recorda muito bem o médico.

 “Havia um boteco na esquina, mas eles se reuniam era no meio da rua mesmo. E já eram bons naquela época”, conta Roberto. O Lô Borges era o melhor no violão e o Milton Nascimento ainda não cantava a ‘enormidade’ que o tornou famoso, mas já mostrava a que veio”, lembra.

A esquina tornou-se ponto turístico

“O repertório do Clube da Esquina não existia ainda. Tocavam-se os sucessos da época, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque. Mas  todos foram crescendo profissionalmente, incorporaram as próprias histórias às músicas autorais. Éramos uma geração muito criativa, talvez por termos vivido tempos de uma repressão muito grande”, relata Roberto.

A que horas abre o museu???

 O médico e a esposa já estão acostumados. Todos os dias alguém bate a campainha para perguntar a que horas abre o museu. É que na esquina há duas placas, uma com a letra da música Clube da Esquina, composta por Milton Nascimento, Lô e Márcio Borges, e outra do Museu Clube da Esquina. Só que o museu é apenas virtual: são placas que relatam a história dos mais famosos integrantes do grupo em locais frequentados por eles (saiba mais no www.museudaesquina.org.br).

O local onde fica a placa que marca a famosa esquina de Santa Tereza virou ponto turístico

 Sempre tem alguém tirando fotos na esquina e várias escolas costumam levar os alunos. “Outro dia achei bonitinho, alunos fizeram uma excursão ao ‘Clube da Esquina’, a professora trouxe rádio gravador, tocou as músicas”, relata Roberto. Há seis meses um veículo desgovernado “atropelou a esquina”, quebrando a calçada e atingindo parte da parede. Desde então, os moradores estão esperando a companhia seguradora consertar. 

Influência do clube

No bairro Santa Tereza grande parte dos bares têm música ao vivo. Coincidência ou não, vários estão localizados em esquinas. Para o médico, muitos músicos que hoje tocam no bairro, que ele define como  gastro-etílico-musical, mostram influência do grupo. “É uma música que remete à mineiridade, mantendo as raízes sem cair na caricatura”, define o morador.

  Além da música, Santa Tereza tem boas referências gastronômicas e a magia de ser um bairro onde as pessoas se sentem acolhidas. Quem chega de outros bairros ou de outras cidades encontra em Santa Tereza o espírito de Belo Horizonte. “O mineiro tem o temperamento de Santa Tereza: gosta de música, de raiz, da tradição, de receber”, diz ele.

 Os moradores do bairro que gostam da boemia levam vantagem em tempos de Lei Seca. É possível se divertir, tomar umas e outras sem precisar usar seus veículos. Nos bares se conhece desde o dono, os garçons até os frequentadores. É como estar no quintal de casa, rodeado de amigos.        

A casa se destaca na esquina

Roberto Casarões cita o tradicional Bolão, Temático, o Bar do Orlando (“um clássico para iniciados”), a Parada do Cardoso e o Santa Pizza (massas), o Baianera e o Bocaiúva. Ele lamenta o fechamento do Godofredo Bar, que funcionava à Rua Paraisópolis, acima de sua casa. “Tem muita coisa boa e que me perdoem aqueles que não citei”. É que, além da música e da boa cachaça, mineiro também adora a política da boa vizinhança.

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