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Literatura em tempos cinzentos

Literatura em tempos cinzentos

Por Convidado publicado em Apr 06, 2015 11:00 pm

por Sérgio Marchetti

Quando eu era criança adorava ouvir histórias e cheirar livros novos. Naqueles primeiros anos de escola, quando ainda era verde e cheio de esperanças, pensava que somente os velhos morriam. Minha alma viajava pelo céu azul do infinito, enquanto ouvia a narrativa mágica que, na voz da professora, brotava das páginas do livro As Mais Belas Histórias. Foi assim que iniciei minha vida de leitor.

Minha escola ficava ao lado da Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, em Barbacena, onde os sinos dobravam e tocavam nossos corações. Eu perguntava por quem os sinos batiam? – “Eles dobram para anunciar a morte dos velhinhos.” – dizia minha professora.

Daquele dia para cá, recebi A visita cruel do tempo (título do Livro de Jennifer Egan), e o tempo passou assustadoramente rápido. Descobri novas verdades, inclusive que sou um simples mortal com menos dias para viver.

Mas voltemos aos livros. Durante minha peregrinação em busca de luz, encontrei e gostei de incontáveis obras nacionais e internacionais. Cito apenas algumas: Grande sertão: Veredas – Guimarães Rosa; Cem Anos de Solidão – Gabriel Garcia Marques; A Insustentável Leveza do Ser – Milan Kundera;  Por Quem os Sinos Dobram? – Ernest Hemingway. Títulos e conteúdos maravilhosos. Percebi, depois de ler o livro de Hemingway, que ele havia feito a mesma pergunta que eu: “Por quem os sinos dobram?”. A resposta não importa muito. Aliás, constato que não obstante as pessoas buscarem tantas respostas, as perguntas são muito mais importantes. Muitas vezes a busca é mais importante do que o encontro. Penso assim, mas não sei se estou certo. O que sei é que viajo com os autores na garupa de suas interrogações em busca da essência da vida.

Foto: Marina Borges

Foto: Marina Borges

O livro é um amigo fiel que me revela segredos e descobertas. Mas nem todos gostam da companhia de nosso irmão de papel. Livro é igual gente. Alguns são chatos mesmo. Outros são pornográficos, detalhistas, intelectuais… tem de todo tipo. Mas a função primeira do livro é a de transmitir conhecimento. Escrever é, por princípio, um ato de doação, legado que se deixa para outras gerações. Porém, toda regra tem exceção. E a permissividade travestida de movimento evolutivo trouxe compêndios contendo escritos de toda sorte. Proliferam nesses ambientes escuros, textos estranhos e vulgares, perversões que, por virem trajadas de literatura e revestidas em tons de cinza, agradam a leitores (e leitoras) que, na sociedade contemporânea, confundem liberdade com vulgaridade. O que é chulo é sem graça e sem classe. Acredito em literatura que gere reflexões e contribua para o crescimento humano e social.  O Brasil é um país onde o hábito da leitura é pouco incentivado. Os comerciais do governo preferem falar de suas “obras e ações sociais”.  Mas nem tudo está perdido, além do horizonte existe um arco-íris com mais de cinquenta tons coloridos. Lá, só para ilustrar, O Pequeno Príncipe continua sendo um dos livros de melhor vendagem. Que ótima notícia, caríssimos leitores. Ainda tenho a esperança de ver salvas muitas  pessoas antes que se desumanizem. Muitas delas, por defesa e descrença sobre o amor, pregam um ceticismo que ridiculariza paixões e vivem a razão como se não existisse a emoção. “Ledo autoengano” que os faz duvidarem do abstrato, do invisível. Agir somente com o cérebro reptiliano não é evoluir. É regredir. É voltar a ser macaco.

Por fim, aconselho aos hedonistas de plantão – cópias grosseiras de Aristipo – perdidos na escuridão dos tons de cinza – que prestem muita atenção às suas convicções, pois, ao contrário do que pensam, são as coisas abstratas como o amor, a paixão e a generosidade que concretizam as nossas existências.  E saibam que

…O essencial é invisível aos olhos. Os homens têm esquecido dessa verdade…”

Antoine de Saint-Exupéry

Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui Licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br .

Transcrito do blog Comunicação&Analise

 

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