Hóspedes da solidão - Santa Tereza Tem
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Hóspedes da solidão

Por *Jorge Fernando dos Santos

Um estudo da Associação Americana do Coração, publicado na quinta-feira (04/8) no Journal of the American Heart Association, demonstra que a solidão e o isolamento social são responsáveis por um aumento de quase 30% nos riscos de infarto e acidente vascular cerebral (AVC). O quadro piorou durante a pandemia de Covid-19. Enquanto isso, uma pesquisa da Universidade de Harvard aponta que a geração Z (entre 18 e 22 anos) é a mais solitária de todas.

Não precisa ser especialista para saber o que os dois estudos confirmam. Isto é, o aumento no número de pessoas vivendo sozinhas à nossa volta – a começar, em muitos casos, por nós mesmos. No entanto, se o isolamento nos garante sossego, também se revela inimigo da natureza humana. Somos seres gregários, dependentes uns dos outros. Somente agrupada em tribos é que foi possível à nossa espécie sobreviver ao longo dos séculos.

O psiquiatra alemão Carl Gustav Jung (1875-1961) já alertava que a solidão pode viciar as pessoas. Viver sozinho implica na expansão do ego e das manias. Sem ter que dividir espaço, tornamo-nos intolerantes, impacientes e egoístas. Por outro lado, com a aposentadoria, o casamento dos filhos, os divórcios e mesmo a viuvez, parece natural que a solidão envolva pessoas mais velhas. Mas como explicar o crescente isolamento entre os jovens?

A resposta parece óbvia e está ligada aos avanços tecnológicos e às redes sociais. Tanto é verdade que, nas sociedades mais avançadas, rapazes e moças tendem a sair mais cedo da casa dos pais. Entretanto, é justamente no convívio familiar que aprendemos a ter limites, a nos solidarizar e a nos sentirmos seguros e amparados. O isolamento precoce diminui a empatia, agrava a crise de identidade e os quadros depressivos. Nunca antes na História tantos jovens frequentaram psiquiatras e psicólogos como agora.

Morning Sun – Pintura de Edward Hopper

Isolados e esquecidos

Na minha infância, tínhamos em casa uma radiola e uma televisão. Telefone era artigo de luxo. Só adquirimos uma linha e um aparelho fixo quando comecei a trabalhar. Até certa idade, os irmãos dividiam o mesmo quarto.

Éramos forçados a compartilhar brinquedos, livros e roupas. Como os adultos dispunham de tempo, as refeições geralmente eram feitas em família, com todos reunidos à mesa. Ali falávamos sobre os mais variados assuntos, recebendo dos pais a orientação e os devidos “puxões de orelha”.

De tempos para cá, crianças e adolescentes de classe média passaram a ter o próprio quarto, o próprio celular, computador ou aparelho de TV. Isso agravou o individualismo. Na pressa diária para dar conta de pagar por tantos artigos de consumo, os pais quase não têm tempo para conversar com os filhos. Alguns chegam ao cúmulo de falar com eles apenas pelo WhatsApp. De certa forma, a educação foi terceirizada, sendo os professores transformados em educadores de filhos alheios.

Como diriam os antigos, “no meu tempo” as pessoas eram mais solidárias, os doentes eram cuidados em casa e o velório, realizado em família, com o caixão sobre a mesa da copa. Os idosos conviviam conosco até o fim dos seus dias. Hoje, a doença é tratada no hospital, o velório é feito longe do lar e, antes de morrer, o idoso passa por uma casa de repouso onde as visitas são escassas. De um modo ou de outro, tal realidade ensina aos jovens que não vale a pena viver tanto. Depois de muita luta e de algumas conquistas, todos acabarão isolados e esquecidos.

*Jorge Fernando dos Santos – Jornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012

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