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Afinal o que é patrimônio histórico

*Por Ana Beatriz Mascarenhas

Ao longo de uns cinco anos, tenho escrito alguns artigos para o SantaTerezaTem relacionado ao patrimônio do bairro. No entanto me veio uma questão: será que é do conhecimento geral as ideias por trás da concepção de patrimônio cultural? De onde e como surgiu; quais os tipos; como se preserva; por que é tão importante? Bem, decidi então apresentar alguns artigos, esclarecendo essas questões. Começo com breve histórico de sua origem até o século XX.  

Pater + monium

Do latim, pater (pai) + monium (obrigação), o termo patrimônio está historicamente ligado ao conceito de herança. O conceito de patrimônio cultural, entretanto, desenvolveu-se ao longo dos séculos e está em constante evolução, pois são fundamentos por sistemas de valores que estão sempre mudando. Esses valores estão relacionados a diferentes grupos que criam várias categorias de património cultural e natural (património mundial, património nacional, etc.).

Para entendermos melhor, é interessante citar “A alegoria do patrimônio” (1992), da historiadora francesa Françoise Choay, um dos livros mais importantes sobre o assunto. Ela   situa o “nascimento” do patrimônio histórico nas primeiras décadas do século XV quando humanistas, sobretudo ligados à corte pontificial, que iniciaram um movimento pela conservação de artefatos da antiguidade

As medidas de proteção iniciadas pelo Papa Martinho V (1369-1431) e perpetuadas por outros papados, buscavam a redescoberta da dignidade da antiga Roma, que nessa época encontrava-se devastada por guerras, saques e intensa pobreza.  No entanto, apesar de empenhados na conservação dos monumentos, os papas também promoviam a destruição de monumentos para reutilização de materiais. O Papa Pio II (1405-1464) por exemplo, a despeito de ordenar a exploração nas pedreiras de Carrara, utilizou blocos de mármore e travertino (rocha calcária de cor beje) do Coliseu e do Capitólio para as construções do Vaticano e da Basílica de São Pedro.

A ideia de reutilização e mesmo destruição, comportamento decorrente de uma cultura longamente consolidada, ainda perduraria entre os humanistas; exemplo disso é a prática dos colecionadores que, na busca por artefatos da antiguidade, provocavam danos irreparáveis aos monumentos. Não obstante, com o tempo, essas pessoas passariam de simples guardiões para estudiosos desses objetos, investigando desde a origem até meios para sua preservação.

Essas pessoas, ou antiquários, começaram a fundar instituições e redes de pesquisa – o College of Antiquaries de Londres, que funcionou entre 1586 e 1614, até ser proibido pelo Rei James I, foi uma organização que incentivava e promovia o estudo das antiguidades e da história tanto na Inglaterra quanto em outros países.

Com o surgimento dos Estados-nação na Europa no final do século XVIII, as coleções de artefatos históricos ganham uma conotação política; surgem então os museus e as primeiras leis de proteção de monumentos. Em 1790, a Assembleia Nacional Constituinte Francesa estabeleceu uma Comissão de Monumentos para realizar o tombamento e inventário de todos os bens relevantes sob a perspectiva do Estado.

 Na Revolução Industrial

A Revolução Industrial trouxe outras perspectivas para a proteção do patrimônio, voltando os olhares para a cidade histórica como um bem a ser preservado. Uma das contribuições mais significativas foram as do arquiteto e historiador austríaco Camillo Sitte (1843-1903) que, considerando as ações econômicas, sociais e técnicas, que transformaram as cidades durante essa época, evidencia em seus estudos a perda de muitas qualidades urbanas durante esse período.

No século XX

Outra questão importante, essa já no século XX, é a criação pela Unesco da Convenção do Patrimônio Mundial em 1972, documento que reúne os conceitos de conservação da natureza e preservação de bens culturais. Na verdade, o fato que determinou sua criação foi a construção da barragem de Aswan no Egito que iria inundar o vale onde ficavam os tempos Abu Simbel e Philae. Com a campanha internacional lançada pela Unesco, os templos foram desmontados, movidos (por cerca de 200 metros) e reconstruído em uma colina 65 metros acima da barragem.

Templo de Ramsés II (crédito: Emmanuel Pivar

Além de definir os conceitos de patrimônio cultural e natural, a Convenção também estabelece os critérios para que sítios naturais ou culturais possam ser inscritos na Lista do Patrimônio Mundial.

Mudança do Templo

No próximo artigo, falaremos mais sobre a Lista do patrimônio Mundial e as discussões que permeiam os critérios adotados.

*Ana Beatriz Mascarenhas é arquiteta e urbanista pós-graduada em Gestão Cultural pelo Senac de São Paulo. É mestre pelo programa de pós-graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da UFMG no qual é doutoranda. É idealizadora, coordenadora e curadora do Festival Cine Identidade & Memória desde 2014.

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