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O último ato de uma grande atriz

A morte de Wilma Henriques representa uma grande perda para o teatro brasileiro

Por Jorge Fernando dos Santos*

A morte de Wilma Henriques, ocorrida no domingo (18), representa uma grande perda para o teatro brasileiro. Embora sua carreira artística tenha se restringido a Belo Horizonte, seu talento de atriz nunca deveu nada às grandes estrelas nacionais.

Wilma Rodrigues foi uma das grandes damas das artes cênicas de Minas Gerais e figura histórica de seus palcos (Funarte/Paola Bicalho)

Sua última atuação foi na peça Espelho, de Jair Raso, apresentada no Cine Theatro Brasil Vallourec, em fevereiro de 2019. Na ocasião, a atriz se recuperava de uma fratura no fêmur. No final do espetáculo do dia 13, sentada numa poltrona vermelha, ela entoou a música La vie en rose em homenagem à colega Bibi Ferreira, que havia acabado de morrer no Rio de Janeiro. O público aplaudiu de pé, entre lágrimas e gritos de “bravo”.

Wilma Henriques residia numa casa de repouso, no bairro Planalto, onde comemorou o nonagésimo aniversário, em 15 de fevereiro deste ano. Primeira-dama do teatro mineiro por aclamação, ela era querida e admirada pelos colegas e pelo público. Se não fosse a pandemia de Covid-19, seu velório, realizado segunda-feira, certamente teria congestionado as dependências do Palácio das Artes.

Galeria de personagens

Dona de uma vasta galeria de personagens, Wilma Henriques iniciou a carreira como apresentadora do programa Espelho, na antiga TV Itacolomi, em 1959. Logo em seguida, substituiu a colega Lea Delba na peça Pigmaleão. Um sucesso inesquecível dessa época foi o papel de Desdémona, em Otelo, de Shakespeare, na telinha e no Teatro Francisco Nunes.

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Filha única, nascida em Conselheiro Lafaiete, Wilma nunca se casou nem teve filhos. Dedicou a vida às artes cênicas, desde os tempos áureos da televisão local, atuando em novelas e em programas dramáticos que marcaram época, como o Grande teatro Lourdes A garrafa do diabo. Trabalhou na TV Rio por um curto período, mas a saudade a trouxe de volta a BH.

Até hoje, guardo nas retinas sua atuação em Há vagas para moças de fino trato, peça de Alcione Araújo encenada na década de 1970, no antigo Teatro do Senac. Também a vi brilhar em espetáculos como Fala baixo senão eu grito (de Leilah Assumpção), As pulgas (Cunha de Leiradella), Rasga coração (Vianinha), Velório à brasileira (Azis Bajur) e Ensina-me a viver (adaptação do filme de Coling Higgins).

Espírito de liderança

Alegria maior, no entanto, foi vê-la na pele de Francisca, personagem do meu romance Palmeira seca, adaptado por Breno Milagres para minissérie da Rede Minas, em 2002. Em sua última atuação na telinha, a atriz contracenou com o grande Elvécio Guimarães no papel do protagonista Durval. Em sua homenagem, escrevi o texto O amor que tu me tinhas. Foi feita uma leitura com ela e Raul Starling, mas a peça nunca foi encenada.

Nos bastidores do teatro, Wilma também se destacou como líder da classe artística. Juntamente com Lady Francisco, organizou os colegas na luta pelos direitos da categoria, quando a TV Itacolomi demitiu todo o elenco, em meados da década de 1960. A artista resistiu à ditadura militar, à censura e ao arbítrio no auge dos “anos de chumbo”.

 Por tudo isso, Wilma Henriques se tornou uma das principais personalidades das artes em Minas Gerais. Várias vezes premiada como garota propaganda, apresentadora de TV e melhor atriz, também recebeu a Comenda do Mérito Artístico da Fundação Clóvis Salgado e a Medalha Santos Dumont de Honra ao Mérito. No entanto, sua maior condecoração foram os aplausos e o reconhecimento do público que a consagrou.

*Jorge Fernando dos SantosJornalista, escritor, compositor, tem 44 livros publicados. Entre eles Palmeira Seca (Atual), Prêmio Guimarães Rosa 1989; ABC da MPB (Paulus), selo altamente recomendável da FNLIJ 2003; Alguém tem que ficar no gol (SM), finalista do Prêmio Jabuti 2014; Vandré – o homem que disse não (Geração), finalista do Prêmio APCA 2015; e A Turma da Savassi (Miguilim)

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