Santa Tereza Tem Memória: Isa Persilva, 92 anos de Santa Tereza - Santa Tereza Tem
Logo

Santa Tereza Tem Memória: Isa Persilva, 92 anos de Santa Tereza

Texto Eliza Peixoto / Fotos Brígida Alvim

“Eu era menina, com quatro anos, em 1930, quando minha família mudou  da cidade de Conselheiro Lafaiete para Santa Tereza, de onde não mais saí. Primeiro moramos à Rua Pirolozito, 54, perto da linha do trem e do Hospital do Isolado, onde hoje é o Mercado”. Assim Isa de Sousa Persilva, matriarca da família Persilva,  fala de sua vinda  para  Santa Tereza.

De memória afiada, ela conta que depois mudaram para a Rua Alvinópolis, 44 e , para Rua Pouso Alegre, 2512, de onde saiu para se casar com Arthur Persilva. Após o casamento, morou à Rua Quimberlita, 290, nos fundos da casa de seu sogro, o famoso Cel. José Persilva. Mais tarde,  o casal construiu a casa onde ela vive  desde a década de 50, à Rua Professor Raimundo Nonato.

O sorriso é uma constante

Ela conta orgulhosa que “meu pai, Horácio de Sousa, era mestre fundidor geral nas oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil, no Horto. Era um profissional dos bons, tanto que quem ele ligou as chaves da Siderúrgica Mannesmam, na sua inauguração na Cidade Industrial, foi ele”.

A infância foi como a das outras crianças do bairro, brincar na rua. “As brincadeiras a gente inventava. Vestíamos roupas de adultos e fingíamos que era vovozinha e mãe. Na rua tinha roseiras imensas e a gente podia brincar, pois não tinha carro”, relembra com brilho nos olhos.

A adolescente Isa

Logo foi para a escola. “Estudei na Escola Delfim Moreira, que ainda existe, na Rua Espírito Santo. Vim para o Sandoval de Azevedo, na Rua Pouso Alegre e no Coração de Jesus fiz o curso de normalista e me formei aos 17. As mulheres sempre faziam o curso de normalista”. Ela relembra que “eu andava um pedaço, pegava o bonde e descia no Abrigo de Bondes Santa Tereza, na Rua da Bahia”.

O Casamento

Adolescente, aos 16 anos, Isa ficou noiva de Arthur Persilva, que era 1º sargento da Polícia Militar. “Casei em 25 de setembro de 1943, quando fiz 17 anos. Arthur tinha 19 anos e meu cabelo ia até à cintura”. O casamento foi abençoado pelo Padre Taitson,  no porão da igreja ainda em construção. Ela relembra: “foi lindo. Formaram duas filas com 44 alunas do Colégio Coração de Jesus e eu passei entre elas. A festa começou na casa do papai com um jantar e acabou com um baile  na casa de meu sogro. O grupo de chorinho do Batalhão da Polícia Militar tocou, e nós dançamos muito”.

Com o álbum de fotografias nas mãos ela vai desfiando a história

Cel. José Persilva

Dona Isa fala com carinho sobre o sogro o Cel José Persilva, cuja foto está na parede da sala. “Ele era o coronel mais famoso e respeitado da Policia Militar na época e muito amigo do Benedito Valadares, então governador do Estado. Na parada do 7 de setembro ele carregava a espada no desfile, na Praça da Liberdade. Representava o Benedito Valadares e Minas Gerais em tudo que era evento”.

Cel. José Persilva – Foto: arquivo da família

“Era tão importante que quando ele entregou o convite do meu casamento para o Benedito Valadares, ele perguntou: a menina é normalista? Então olha amanhã Minas Gerais (Diário Oficial). Lá estava minha nomeação de professora. Foi um rebuliço, porque não se nomeava ninguém há  dois anos. Por conta disso, o Benedito teve de nomear mais 200 normalistas”, conta ela, rindo da situação criada.

Seu sogro, além de coronel, foi Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil e dá nome à pracinha, atrás do 16º BPMG, a Praça Cel. José Persilva, em Santa Tereza.

Educação e cuidados para os mais carentes

Diferente da maioria das mulheres da época, em que casar significava apenas ser “do lar”, a jovem Isa foi à luta, apoiada pelo marido, Arthur Persilva. Era um casal diferente da maioria, em que o homem ditava as regras e a esposa obedecia.  Para Dona Isa a mulher precisa trabalhar fora de casa, ter seu dinheiro, ser independente financeiramente. “Tudo que conquistei na vida, foi trabalhando, com o meu salário”, comenta com orgulho.

Isa e o esposo Arthur Persilva

Dedicou-se à educação. Seu primeiro trabalho foi na Escolas Reunidas Cristiano Machado, à Rua Jacui, na Floresta. Nessa época, sua vida foi marcada pelo o falecimento do primeiro filho, ainda bebê, Marcos Arthur.

Depois foi para a Escola São Vicente de Paula, na Cidade de Ozanan, que acolhia pessoas carentes, no atual bairro Ipiranga. Para chegar lá, pegava o bonde, descia na fábrica de tecidos Renascença e caminhava um bom pedaço. “Era muita pobreza, mas eu gostava de trabalhar com aquelas pessoas. Perto tinha o matadouro, onde eu ganhava carne para a comida da escola, que também distribuía aos abrigados da Cidade de Ozanan”.

Com o filho  Lúcio, a nora Socorro Soutello e a neta Astila Paratella.

Sempre trabalhando com pessoas carentes, ensinou em uma escola no bairro Glória, na época  local muito pobre e depois no Santa Efigênia para alunos das favelas do Pau Comeu e Arrudas. “Cada doido tem uma mania. A minha era distribuir comida. Eu conseguia doações e distribuía alimentação para os alunos e os moradores carentes em volta das escolas. Mas importante mesmo era vencer o analfabetismo”, comenta sorrindo, com a certeza do dever cumprido.

Mulher de fibra

De espírito inquieto e mulher de não rejeitar desafios, além de trabalhar nas escolas e estar de coração aberto para ajudar o próximo, atuou na implantação das  Unidades de Apoio Pedagógico nas Escolas de Ciências Agrárias de sul a norte do pais. “Eu viajava na sexta-feira, pegava o avião, daqueles pequenininhos, na Pampulha e ia para os diversos lugares, onde havia essas escolas”.

Para conciliar o trabalho, as viagens e o papel de mãe ele conta que “eu me virava e contava com a Terezinha de Jesus, que veio de Conselheiro Lafaiete trabalhar comigo e ajudou-me a criar meus três filhos, Renato, Lúcio e Astila. E meu marido Arthur era uma pessoa tranquila, que sempre colaborava”.

Além do trabalho, Dona Isa continuou seus estudos no Instituto de Educação e se formou em pedagogia na Universidade Católica, atual PUC/MG.

Não tenho o que reclamar

Lembranças de Santa Tereza

Seu carinho por Santa Tereza é grande e uma das coisas que gosta é ficar sentada em um banco da Praça Duque de Caxias, apreciando a vida.

Entretanto, ela lamenta duas coisas “Já andei muito por Santa Tereza, mas agora só passeio ou vou pra Praça de vez enquando, quando dou umas “escapulidas”. Os filhos não gostam que eu saia sozinha. Eles têm medo que eu caia por causa das tonteiras. E hoje em dia encontro pouca gente do meu tempo, pois muitos mudaram e outros morreram. Mas é assim mesmo”.

Ruas

Quem vive ou visita Santa Tereza e vê suas ruas calçadas e tranquilas não imagina o que os primeiros moradores passaram por aqui, como falta de transporte público e inexistência de ruas. Quem diria que a Rua Professor Raimundo Nonato era um simples beco, onde nem carro entrava?

Ficar sentadinha no banco da Praça de Santa Tereza, apreciando o movimento é seu passeio preferido

Dona Isa conta que “quando a gente mudou pra Santa Tereza, em 1930, o bairro tinha casinhas simples. A Rua Professor Raimundo Nonato era um beco, quando construímos esta casa, na década de 50. Entrava e saia prefeito e continuava do mesmo jeito. Um dia o então prefeito Amintas de Barros visitou a escola no Glória, onde eu trabalhava e lhe falei do nosso problema. Ele prometeu que ia olhar e cumpriu. Não demorou as máquinas chegaram e abriram a rua”.

Segundo suas lembranças, “a Rua Salinas era uma barroca e ia só até a Amianto, que era um beco comprido e estreito. A Rua Barão de Saramenha, um bequinho e por lá passava um córrego”.

Clube Recreativo e carnaval

Pelo visto, em Santa Tereza a animação é coisa bem antiga. Veja o que conta Dona Isa: “Eu sempre gostei de dançar. No Clube Recreativo, aqui em Santa Tereza, todo sábado havia baile. Meu Deus, como dancei em minha vida! Quando surgiu o tango, ninguém sabia os passos. Eu tinha 14 anos e disse: vou dançar isso.  Vendo os filmes da época eu aprendi.  Todo mundo ficou bobo de ver como eu sabia dançar, conta ela exclamando, vocês estão me fazendo voltar no tempo! E isso é muito bom.”

Foi em um desses bailes, que ela conheceu o futuro marido Arthur Persilva.  E ela relembra: “começamos a flertar, olhava um por outro, olhava. Flertar era assim: na rua quando um moço passava pela gente e olhava pra trás era porque estava interessado. Um dia ele pediu pra conversar comigo. Em seis meses namoramos, noivamos e casamos.”

Nada a reclamar

“Agradeço a vida que tive, não tenho o que reclamar. Tive um excelente esposo, um homem que não discutia. Viajamos pelo mundo todo e pelo Brasil. Trabalhei no que quis. Sou católica e recebo a comunhão toda semana. E tenho uma grande família, netos e bisnetos. Está tudo bem!”

Dona Isa faleceu em 19 de maio de 2023.

Matéria publicada em 2018 e atualizada em maio de 2023.

Anúncios