*Sérgio Mitre (texto e imagens)
Não sei dirigir automóveis e, logicamente, não tenho carteira de motorista. Ando muito por BH, tem muito tempo e pra todo lado. Cidade que já foi infinitamente mais bela e muito, mas muito mais arborizada e sombreada. Hoje, saí de Santa Tereza e fui até a Floresta. Primeira parada, um sorvete nesse meio-dia escandalosamente escaldante que fez hoje. Floresta tem sorveterias ótimas.
Fui à rua Sapucaí curtir a paisagem e o belo horizonte e as telas do maravilhoso projeto CURA. De lá, segui à Lagoinha, para a fábrica das frutas secas do sensacional casal de amigas da Frutescência. Uma casinha antiga, de quintal grande e encantador, como todas as casas e prédios do local. Sim, casas e prédios antigos com quintais.
Aí uma pausa: me desculpem o centro-sul, mas BH pulsa é na leste (e acredito, nos bairros periféricos). Quintais, pessoas se conhecem, se reconhecem e se cumprimentam nas ruas, crianças brincam nas praças, adolescentes paqueram nas sorveterias. Padarias servem de tudo um pouco, inclusive notícias fresquinhas do bairro, saindo do forno. Ruas inteiras de casas e pequenos prédios, portas abertas, pessoas de cadeiras nas ruas, conversando com a vizinhança. Onde o interior de Minas pulsa na Capital. BH raiz.
Saí da frente do Colégio Batista Mineiro, desci floresta como no poema e cheguei no Nonô, o rei do caldo de mocotó: pedi completo, dois ovos, cebolinha e barranco. Não esquece a Caracu!
Passei pelo Mercado Central e, depois, subi Bahia e parei no Café Kahlua, onde encontrei o meu querido Rui, proximidade constituída desde que ele abriu uma portinha ao lado de onde é o endereço atual, em 1993, onde eu, contínuo do Banco do Progresso, servia de cobaia para as novas invenções do dono do café mais bacana da cidade.
Cheguei à Praça da Liberdade, não gostei do que vi. Poucas sombras, bancos fervendo, território árido. Uma praça para não ficar, pra passar correndo, antes de assar. As poucas sombras atulhadas de gente. O resto da praça, um deserto. Desci Savassi, tomei um café na Cafeteria, no primeiro quarteirão inteiro sombreado que ainda resta. Um chop pra ganhar energia e disposição até Santê de volta.
Nunca dirigi automóveis. São caminhos que faço há 30 anos, sempre à pé. Posso vaticinar: estão desertificando a já antiga na memória cidade jardim. Antigas casas do centro-sul, quintais enormes que conhecíamos, cheios de árvores enormes e velhas e que, por isso, abrigavam muita vida entre os galhos de suas enormes copas, viraram prédios sem lastro, sem memória, no tempo estáticos, cimento e lata e cinza e seca.
Mataram nosso Belo Horizonte. A cidade aprazível, com muitas águas e clima ameno, deu lugar a rios enterrados, asfalto quente e árvores cortadas ou árvores recentes. A Sapucaí é um último mirante de uma cidade que já foi verde e hoje não tem cor. O projeto CURA, cujo nome é perfeito para uma cidade doente que estraga suas águas, arranca suas árvores e que acha que flores sujam o chão, tenta resgatar a vida e algo pulsante que já bateu e hoje marca-passo.
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Saudade das árvores, saudade das sombras, saudade dos pássaros. Saudade da cidade que já foi jardim e que pulsava em mim. Não sou homem de lata, BH: ainda tenho um coração.
*Sérgio Mitre é historiador e morador de Santa Tereza, onde mantem em seu quintal uma mangueira centenária.