Construção põe em risco patrimônio de Santa Tereza - Santa Tereza Tem
Logo

Construção põe em risco patrimônio de Santa Tereza

Proposta de empreendimento às margens do bairro será avaliada pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio de Belo Horizonte nesta quarta-feira

Reportagem: Brígida Alvim e Eliza Peixoto

No apagar das luzes da atual administração municipal, perto do Natal, quando as pessoas viajam e estão focadas em celebrar as festas de final de ano, no dia 21 de dezembro, quarta-feira, o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte irá se reunir para discutir um assunto de total interesse e preocupação do bairro de Santa Tereza: a construção de um megaempreendimento na área da Rua Conselheiro Rocha, onde fica a antiga Fábrica de Pregos São Lucas.

Torres PHV Santa Tereza

Empreendimento compromete visada do bairro. Fotos: Reprodução do dossiê de patrimônio

O empreendimento ocupará terreno de 26.354m2, mas pelo coeficiente de aproveitamento proposto pelos investidores (elevado de 1 para 4) poderá chegar a mais de 100.000 m2 de área construída. A proposta é da PHV SPE Andradas Construção e Incorporação Imobiliária Ltda. (PHV Engenharia), em conjunto com a Farkasvolgyi Arquitetura Ltda. O terreno foi adquirido há alguns anos, primeiramente com a ideia de construir a maior torre da América Latina, que iria impactar de diversas formas o bairro Santa Tereza e especialmente os moradores da Vila Dias e da Rua Conselheiro Rocha. Para ser colocado em prática, o projeto precisava de que fosse realizada a Operação Urbana Consorciada (OUC) proposta pelo prefeito Márcio Lacerda, que modificaria as diretrizes urbanas da cidade. Como foi duramente criticada pela população, a prefeitura voltou atrás e a obra ficou adormecida.

Agora a mesma construtora e escritório apresentam outro projeto, em forma de Operação Urbana Simplificada (OUS), que para ser executada precisará do aval do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte (CDPCM-BH). Isto porque, apesar de não estar dentro da área do Conjunto Urbano protegido, faz limite com ele e pode gerar sérias consequências à sua preservação.

Vista Fabrica de Pregos São Lucas

Projeto prevê demolição da Fábrica de Pregos São Lucas

De acordo com o relatório apresentado ao Conselho Deliberativo de Patrimônio (CDPCM-BH), ao qual tivemos acesso, vários pontos deixam dúvidas sobre os impactos que podem causar aos moradores do bairro, como transtornos no trânsito, poluição sonora, do ar e visual. Outras interrogações incidem sobre violação das determinações para o bairro em razão do tombamento, como, por exemplo, a altimetria das três torres previstas no empreendimento, com cerca de 80 metros de altura cada. Um dos itens do dossiê de proteção diz que nenhuma construção poderá tampar a visada da Serra do Curral que se tem do bairro Santa  Tereza, ponto não considerado por este empreendimento.

A construção prevê ainda a demolição completa da antiga Fábrica de Pregos São Lucas, implantada no terreno. Datada do início do século XX, a edificação consiste num remanescente arquitetônico eclético característico da tipologia industrial. Em outubro de 2013, o Movimento Salve Santa Tereza encaminhou à Diretoria de Patrimônio um abaixo-assinado com mais de 440 assinaturas solicitando o tombamento da mesma, mas não obteve resposta.

O empreendimento

Torres PHV Santa Tereza_projeto

Estão previstas três torres de 80m de altura e 23 andares

Conforme descrição do relatório submetido aos conselheiros do patrimônio, o empreendimento nomeado Operação Urbana Simplificada – Praça da Cidade, o é dividido em Setor Leste e Setor Oeste, e assim distribuído: Setor Leste – Torres 2 e 3 com salas comerciais, sobre base a ser ocupada por estacionamento e centro comercial. Coeficiente de aproveitamento de 4,32. Altura total de 80,70 metros, 23 andares estimados para cada torre. Setor Oeste – Torre 1 com salas comerciais, sobre base a ser ocupada por estacionamento e megaloja. Coeficiente de aproveitamento de 3,01. Altura total similar à das torres 2 e 3.

Número de vagas – A soma da capacidade dos estacionamentos nos dois setores prevê 2.040 vagas para veículos automotivos, sendo 1.832 para carros, 32 para carga e descarga e 176 para motos.

Salve Santa Tereza e Associação do Bairro se opõem à proposta

Na segunda-feira, em encontro já tradicional do Movimento Salve Santa Tereza, na Praça Duque de Caxias, foi debatida a questão. Os participantes decidiram se mobilizar e buscar ajuda da população para resistirem à implantação do empreendimento.

Karine Carneiro, professora e doutora em Arquitetura e Urbanismo, integrante do movimento Salve Santa Tereza, afirma que haverá impactos diretos e imediatos relacionados à proposta arquitetônica e urbanística do projeto. “A proposta flexibiliza os parâmetros urbanísticos da área (como o coeficiente de aproveitamento, que é de um, para quatro) a partir de contrapartidas oferecidas pela construtora. Mas na verdade é um ganha-ganha, porque a contrapartida, uma alça que liga a parte de trás das torres à Avenida Andradas, beneficiará o empreendimento”.

Torres PHV - Vista Capitão Procopio

Mirante da Serra na Rua Capitão Procópio, Santa Tereza

Ela estima que a altura das torres, em torno de 80 metros cada, criará uma barreira física que pode impedir a passagem de vento. E o espelhamento do sol, gerado pelo revestimento de vidro conforme apresenta o projeto, pode ocasionar aumento da temperatura e deixar o bairro Santa Tereza mais quente e abafado. Outro problema, segundo a especialista, é que por ser um empreendimento monofuncional, voltado exclusivamente para ambientes comerciais, pode gerar insegurança noturna na região.

Torres PHV - Vista Capitão Procopio bloqueada

A mesma visada da Serra tampada pelas torres, conforme simulação

Ela destaca ainda que avaliando pelas proporções, as torres podem impor uma enorme barreira visual na paisagem de Santa Tereza. “Se olharmos de dentro para fora, nós moradores do bairro perderemos a vista da Serra do Curral. E, se olharmos de fora para dentro, a cidade perde a vista dos fundos da igreja e de boa parte do conjunto arquitetônico de Santa Tereza, hoje vistos pelo bairro Santa Efigênia”, ressalta Karine.

João Bosco Alves Queiroz, presidente da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza (ACBST) expõe contrariedade com a proposta: “Fiquei muito assustado, porque conflita com toda a argumentação feita pela Diretoria de Patrimônio no dossiê que levou à aprovação da proteção do Conjunto Urbano de Santa Tereza, em março de 2015. Um dos pontos que caracterizam o bairro é a presença de pequenos comerciantes. Com a proporção desse empreendimento, eles podem ser ‘engolidos’. A Vila Dias é também uma grande preocupação, pois além de ser afetada diretamente pela proximidade da construção, ficará vulnerável a uma provável desocupação para alargamento da via”.

Quanto à construção de uma trincheira que ligará a Rua Conselheiro Rocha, no bairro Santa Tereza à Avenida Andradas, um dos principais corredores da cidade, João Bosco também demonstra preocupação: “Há anos lutamos contra esse tipo de intervenção, pois com a abertura da Rua Conselheiro Rocha, que beira o muro do metrô de fora a fora do bairro, deixaremos de ter uma barreira protetora, que permitiu manter as peculiaridades esses anos todos. Se houver a abertura da via, Santa Tereza passará a ser um bairro de passagem e certamente vai descaracterizar”.

E, por último, ressalta o impacto no trânsito local: “Vai aumentar demais e tirar o sossego da Rua Conselheiro Rocha. Sempre que passo por ali dirijo bem devagar e cuidadosamente pela presença de crianças brincando na rua. Com fluxo estimado em mais de 2.000 carros por dia, isso vai acabar. Por tantas ameaças de impactos negativos ao bairro, a ACBST é contra esse empreendimento”, conclui o presidente da associação.

Considerações da PHV

Marcos Paulo Alves de Sousa, diretor da PHV, confirmou que o galpões da fábrica de prego serão derrubados, pois a área, onde já funciona uma oficina da empresa, será utilizada pelo empreendimento. Quanto a uma possível entrada pela Rua Conselheiro Rocha, Marcos Paulo comentou que isso foi uma demanda que partiu da Prefeitura, já há algum tempo, mas é um ponto que precisa ser analisado, se trará inconvenientes ou não para a preservação das características do bairro.

Sobre a altimetria ele ressaltou que a área não está dentro da ADE e do tombamento e que as três torres serão mais ou menos do tamanho do Shopping Boulevard e garante que o empreendimento irá respeitar a determinação do processo de tombamento, de que se preserve a visada da Serra do Curral.

Segundo ele, a reunião do Conselho do Patrimônio Histórico, que será realizada no dia 21, é a primeira de muitas etapas ainda a serem vencidas, pois o projeto ainda está engatinhando e as definições serão feitas de acordo com o que for determinado pela lei. Disse ainda que os empreendedores pretendem fazer encontros com os moradores do bairro no ano que vem, pois é do interesse deles estar bem com a comunidade, onde o empreendimento irá se estabelecer. Quanto aos impactos negativos como o aumento do trânsito e a transformação do bairro em passagem, Marco Paulo afirmou que ainda precisam ser feitos estudos sobre isso.

Avaliação da proposta

Uma boa forma de saber mais sobre a proposta e ser parte  ativa da decisão é participar  da Reunião do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, aberta ao público, que abordará a pauta no dia 21 de dezembro, próxima quarta-feira, às 14h, na sede da Diretoria de Patrimônio – Rua Estevão Pinto, 601, no bairro Serra.

Arnaldo Godoy, vereador e membro do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, reforça o convite: “O projeto já gera resistência entre os conselheiros, por ser uma afronta às diretrizes de proteção ao conjunto urbano de Santa Tereza. Acho muito difícil que seja aprovado da forma em que está apresentado. Um dos caminhos pode ser o Conselho apontar diretrizes para que o empreendimento se adeque. Mas, de toda forma, é muito importante mais uma vez a comunidade defender seu patrimônio, sua qualidade de vida, ambiência e características interioranas do bairro. Esperamos contar com a participação popular na reunião de amanhã”.

Reunião do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte
Data e horário: 21 de dezembro, quarta-feira, 14h
Local: Diretoria de Patrimônio – Rua Estevão Pinto, 601, Serra.

Matérias relacionadas

Megaempreendimento pode ser construído em Santê
Polêmica da torre gera petição online
Construtora visita Vila Dias

Anúncios