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Santa Tereza Tem Memória: Colégio Sindicato dos Bancários

Não foram poucos os adolescentes de Santa Tereza que estudaram no Colégio Sindicato dos Bancários, que funcionou de 1960 a 1991, à Rua Salinas, 1447, onde atualmente está a Regional Leste.

Casa onde funcionou o Colégio logo no início

Criado para atender filhos dos associados do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, recebia também alunos do bairro. Durante a ditadura militar no país, o Colégio, diferente de outras escolas, tornou-se um oásis de liberdade e de novas práticas educacionais.

Prédio construído para abrigar o colégio

Um dos ex-alunos, que não esconde sua paixão pela escola, é o morador do bairro Iraê Torido. “O colégio tinha um grande diferencial, a liberdade. O diretor, Caramuru, mantinha a porta da diretoria aberta, para os alunos e conversarmos de igual pra igual. Tivemos grandes professores, que eram tão amigos quanto professores. Isso era muito importante para nós”, comenta Iraê.

Iraê mostra com orgulho a caderneta escolar com as notas, presenças e faltas

Isso foi tão marcante para a maioria daqueles adolescentes, que, mesmo depois de adultos, persiste a amizade entre os ex-alunos, professores e o diretor Fernando Caramuru. Há um grupo, que pelo menos uma vez no ano se encontra para relembrar os bons momentos vividos.

O professor de Educação Física, Fernando Caramuru Fraga, o Caramuru, foi o grande responsável pelo crescimento da escola, que dirigiu por 31 anos, até o seu fechamento em 1991. Ele conta que “cheguei ao Colégio em 1967 como professor. Eram apenas turmas de admissão e o primeiro e segundo ginasial. Como não tinha quadra ainda, dávamos outras aulas, inclusive de sexologia, com o apoio dos pais”.

Professor Caramuru na época diretor do Colégio

Professor Caramuru

Em 1970, inaugurado o prédio novo, bem maior do que a antiga casa, a escola pode receber mais alunos. Foi nessa época, com a saída do então diretor Flávio Cardoso, que o jovem Caramuru, com apenas 29 anos, assumiu a direção.

O lema adotado “Participar para educar e educar para participar” era baseado na liberdade, diálogo e responsabilidade. Não foi tarefa simples, implantar esta nova filosofia, pois o colégio era mantido por uma entidade de trabalhadores, que estava sob intervenção,  devido ao golpe militar de 1964. Caramuru observa que “por exemplo, as aulas de OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e Educação Cívica ficavam sob vigilância do interventor colocado pelo regime no Sindicato. Então eu mostrava a ele um programa e aplicava outro”, comenta rindo.

O jovem diretor, que para começar era chamado pelos alunos apenas de Caramuru, aplicou sua ideia de libertação e educação humanista e deu certo “Acredito em uma escola aberta ao diálogo, de igual para igual, alunos e professores. O respeito de antes era do medo e da ignorância, depois passou a ser o da convivência. Nascia de fora pra dentro e de dentro pra fora”.

Novidades na educação

Muitas foram novidades. Iraê Torido enumera: “Dia do Aluno Diretor, em que um estudante era escolhido para ser o diretor da escola; tínhamos liberdade de entrar na diretoria e conversar com o diretor de igual pra igual, assim como de criar o grêmio estudantil e desenvolver vários trabalhos. As reuniões dos Conselhos de Classe eram abertas aos pais e até aos alunos e o estudante que fosse suspenso de aula disciplinarmente, por qualquer razão tinha direito à defesa. Havia o Dia da Contestação e parlatório, em que a gente subia em um caixote no pátio e falava de nossas dificuldades. E todo preconceito era combatido. Na década de 70, em plena ditadura era difícil encontrar um colégio assim”.

Festa da Primavera no Campo do Sete,/Independência

Outra novidade foi a abertura da escola aos sábados, para que os alunos pudessem jogar bola, fazer teatro, ouvir música. O ex-aluno, Antônio José Buere Serafim comenta que “A gente quase que morava na escola. E isso propiciou uma interação entre nós, que nos encontramos até hoje”.

António José Serafim, Caramuru e Iraê Torido

Apesar da liberdade, havia regras determinadas por uma “assembleia constituinte”, formada por pais, alunos e professores, que resultou na “Constituição do Colégio”. E era obrigatório respeitar as regras criadas em conjunto por todos. “Praticávamos a democracia e nela é preciso haver regras. Na convivência entre alunos, professores e pais, sempre havia discordância, mas isso é democracia. É por isso que a democracia é difícil, cansativa, mas em compensação faz crescer”, observa Caramuru.

Caramuru lembra que o Sindicato dos Bancários sempre apoiou o seu trabalho e nada lhe era negado. Ele comenta que “na época em que o presidente da entidade era Arlindo Ramos, que por sinal morava em Santa Tereza, até um para raio com bateria atômica ele colocou no prédio”.

Toda essa liberdade e igualdade não impediu que o ensino fosse um dos melhores da cidade naquela época, comenta Antônio José Buere Serafim.  “Havia diálogo entre os alunos e professores, com total respeito. Um fato interessante foi quando resolvemos pintar a quadra. Depois de pintarmos tudo, passamos a escrever nossos nomes na parede. Pensamos que íamos levar uma bronca. Mas não, o Caramuru chegou e disse: que legal, vocês estão se expressando!”

Antonio observar ainda que “O colégio teve destaques que incomodou as escolas famosas. Por exemplo, fomos Campeão Estudantil de Atletismo, de futebol-de-salão, destaque nos Jogos Estudantis da Primavera, competindo com escolas como o Santo Agostinho e o Promove. A gente comprava as ideias dos professores e as levava a sério. E posso dizer que 80% por cento dos alunos que aqui estudaram são excelentes profissionais e ótimas pessoas. O que sou hoje devo ao colégio. Eu vivia mais lá do que em casa. Perdi meu pai muito cedo e a escola foi formadora do meu caráter”.

Com mudanças na direção do Sindicato, a entidade mantenedora, e o surgimento de muitas escolas particulares, entre outras causas, o número de alunos foi diminuindo gradativamente e o colégio foi fechado em 1991.

Mas uma coisa é certa, o Colégio Sindicato dos Bancários deixou saudade em muita gente e como diz Antonio, “fomos privilegiados por estudar aqui”.

Encontros reúnem professores, alunos e o professor Caramuru

Matéria publicada em 2018

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