Nem praça, nem cidade - Santa Tereza Tem
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Nem praça, nem cidade

(Reproduzimos aqui artigo publicado, nesta quinta=feira, dia 23 de novembro, pelo jornal O Tempo, assinado pelo arquiteto  *Roberto Andrés, sobre o projeto de construção de duas torres em Santa Tereza, o “Praça da Cidade”. Amanhã, dia 24, o Santa Tereza Tem irá publicar uma entrevista com Rogério Martins Pinto e Hélcio Neves executivos da Construtora PHV Engenharia, proprietária do terreno e do projeto).

Parecia piada de mau gosto. Corria o ano de 2012 quando a imprensa anunciou que Belo Horizonte teria o maior edifício da América Latina. Com 350 metros de altura, a torre envidraçada seria vizinha ao Santa Tereza, bairro com grande valor histórico e cultural.

A construtora PHV Engenharia e o escritório Farkasvolgyi Arquitetura eram os proponentes. Não era piada. Já sobre o mau gosto, não se pode dizer o mesmo. O projeto tinha ares de Dubai, onde a arquitetura contorcida e envidraçada é a face visível de um país irrigado pelo dinheiro fácil do petróleo, marcado pela alta desigualdade e pelo baixo cuidado ambiental.

Quando o arranha-céus se mostrou inviável, veio a segunda versão do projeto, com três torres menores – ainda assim, enormes. Tirava-se o bode da sala para tentar emplacar uma obra de alto impacto. A sociedade se mobilizou contra e os proponentes acabaram recuando.

Agora, em 2017, a proposta ressuscitou. Dessa vez seriam duas torres de 20 andares, construídas sobre andares de estacionamentos e grandes lojas, além de um viaduto. A esse conjunto, deu-se o nome de Praça da Cidade.

Com área construída de cerca de 100.000 m2, o projeto excede em quatro vezes o permitido pela legislação. Para isso, quer se fazer valer de uma operação urbana simplificada. Operações urbanas são previstas no Estatuto da Cidade para a flexibilização de parâmetros urbanísticos, em nome do interesse público. Já a operação simplificada é uma invenção de BH, que livra o empreendimento dos estudos de impacto de vizinhança, por exemplo.

Uma operação urbana poderia, em tese, servir à sociedade. Habitação de interesse social, escolas e hospitais públicos, dentre outros, poderiam se valer do instrumento, porque beneficiam a coletividade. Mas qual o interesse público de torres de escritórios, grandes lojas, estacionamentos e viadutos?

O empreendimento traz duas contrapartidas. A primeira seria a criação de “praças” nas varandas de grandes lojas e estacionamentos. Confesso que tenho dificuldades em chamar de praça os jardins de um shopping, por mais que haja área verde ali. Praça pressupõe acesso democrático e senso de coletividade.

A segunda contrapartida seria em dinheiro: R$16 milhões para melhorias na Vila Dias, vizinha ao empreendimento. Omontante é irrisório perto do ganho de receita gerado pela construção de 75.000 m2 a mais, o que, pelo valor de imóveis na região, deve superar R$500 milhões.

O valor é pouco significativo também para a Prefeitura. Equivale a cerca de 0,15% do orçamento anual do município. Basta vontade política para tirar do papel a UMEI e as melhorias necessárias na Vila Dias.

As duas torres afrontam as diretrizes de proteção do Conjunto Urbano de Santa Tereza, estabelecidas pelo Conselho de Patrimônio em 2015. Afrontam também as diretrizes de tombamento da Serra do Curral, ao prejudicarem a visada do bem natural a partir de regiões onde ela ainda existe. Como se não bastasse, prevê-se a demolição de um exemplar remanescente do estilo Art Déco, construído na década de 1940, edifício que funcionou como uma fábrica de pregos.

O empreendimento deve gerar forte impacto no trânsito da região, graças às 1.300 vagas de estacionamento e ao viaduto, que estimulam a circulação em automóveis. A forma dos edifícios quer mirar o futuro, mas seus princípios acertam o passado. Ao lado de uma estação de metrô, boas práticas urbanas recomendariam estimular o uso do transporte coletivo.

Em reunião com a comunidade, representantes da construtora disseram que o prefeito de BH, Alexandre Kalil, “adorou a proposta”. Há um conflito de interesses aí: o arquiteto que tenta emplacar o projeto, Bernardo Farkasvolgyi,é conselheiro do clube de futebol que o prefeito presidiu e no qual ainda atua. Ambos trabalham juntos pela construção do novo estádio do clube.

Como se não bastasse, esse ano Farkasvolgyi ganhou assento no Conselho Municipal de Patrimônio, passandoa opinar e votar sobre assuntos em que tem interesse direto, como o tombamento da Fábrica de Pregos. Separar negócios privados do interesse público é premissa democrática. Caso contrário, em breve a atual gestão pode ficar conhecida pelo slogan de “governar para quem não precisa”.

*Roberto Andrés é Arquiteto-urbanista, professor da UFMG, editor da revista PISEAGRAMA e morador de Santa Tereza. Colunista do jornal O Tempe escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

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