Artigo: O que seria de mim sem Pedro Bandeira? - Santa Tereza Tem
Logo

Artigo: O que seria de mim sem Pedro Bandeira?

Eu me lembro muito bem de pegar A marca de uma lágrima da estante na biblioteca do colégio onde estudava. Lembro-me até hoje do livro marcado pelo uso. Estava um pouco amassado nas pontas, onde alguém havia dobrado a capa deixando uma grande linha diagonal já amarelada pelo tempo.

pedro bandeira
A Marca de uma lágrima

Talvez não me lembre tão bem do conteúdo. Já passaram muitos livros pelas minhas mãos, cada um deixando uma marca diferente em minha memória. Não me lembro dos instantes em peguei os livros da coleção Os Karas, mas lembro-me bem de lê-los avidamente, lembro-me de algumas informações que apreendi com esses livros e sei que devo ter aprendido muito mais do que me lembro.

Naquele tempo de poucas amizades, Pedro Bandeira era um grande amigo. Um parceiro para todas as horas. Meu amor pela palavra escrita, é claro, veio muito antes disso. Veio com meu pai e minha mãe, que liam para mim quando ainda não sabia ler; que me contavam causos e histórias; que nunca me negaram um livro; que mostraram para mim que quem lê, vive inúmeras vidas, como diz a frase de alguém que agora não lembro o nome.

Eu via meus colegas, que não gostavam de ler e faziam bullying comigo porque eu gostava. Não há escola no mundo, nem religião, que ensine valores. Escola existe para abrir o mundo para crianças e adolescentes, deixar toda a informação à vista e ao alcance. Ela não existe para controlar ou limitar o acesso ao conhecimento (algo que defensores da famigerada “Escola sem partido” gostariam muito que acontecesse).

Por isso, muito me impressiona e muito me incomoda não só o ato, mas a atenção dada a ele, de pais que querem a retirada de um livro de Pedro Bandeira da biblioteca de uma escola em Belo Horizonte. Escola, por sinal, onde aprendi a ler, com a Tia Graça – disso me lembro como se fosse ontem.

Pais que querem limitar o acesso a livros, mas querem que a escola seja responsável por isso. Quem sou eu para falar como um pai ou uma mãe deve criar seus filhos e filhas? Ninguém. Mas quem são esses pais que querem falar para uma escola inteira e para outros pais e mães como criar seus filhos e filhas?

Quem são eles para impor seus valores sobre outras crianças? Crianças que talvez vejam na literatura o escape que tanto precisam? E por que um jornal de grande tiragem se importa com isso?

Vão notar: “mas você também está falando sobre isso!”. Claro que estou. O que era um abaixo-assinado ridículo virou uma pequena sensação após a publicidade gratuita e sem crítica feita pelo jornal. Eu me sinto compelida a defender uma escola, sua biblioteca, todos seus alunos e alunas, a literatura e, é claro, Pedro Bandeira. Que, para fazer esse artigo, descobri ser cientista social como eu, me dando o orgulho de chamá-lo de colega.

Larissa Peixoto Vale

Anúncios