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Tombamento divide opiniões em Santa Tereza

Tombamento divide opiniões em Santa Tereza durante Reunião Pública, no 25 de março, quando os técnicos Carlos Henrique Bicalho e Françoise Jean, da Diretoria de Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, fizeram apresentação do dossiê de Proteção do Conjunto Urbano do Bairro Santa Tereza. O evento, por solicitação da Associação Comunitária do bairro (ACBST), reuniu por volta de 150 pessoas. 

Na ocasião, todos tiveram chance de conhecer detalhadamente os critérios e as diretrizes de proteção, já em vigor, assim como as etapas dos processos de tombamento, que inclui a indicação de 288 imóveis. A proteção engloba a mesma área e restrições propostas pela Lei de Diretrizes Especiais (ADE) e vai além. A altimetria passa a ser de 7 metros, 9 metros e 15 metros, dependendo da localização. A novidade é que ficou estabelecido um limite de 15 metros para novas construções, sendo que a medida deve considerar a caixa d’água acima da edificação. Além dos imóveis, serão mantidos elementos que contribuem para preservar a história de Santa Tereza, como o estilo de calçamento de ruas conhecido como “pé-de-moleque”, a preservação de passeios, fachadas, a vista da Serra do Curral, a arborização e as praças.

Tudo para preservar, não só os projetos arquitetônicos que remetem às décadas de 1930, 40 e 50, mas o que se revela por trás deles, que são os costumes, as histórias e as relações entre as pessoas. Mas, embora o tombamento e a proteção do bairro estejam em discussão há aproximadamente 20 anos, o assunto está gerando polêmica e inquietação entre os moradores do tradicional Santê.  

Durante a reunião, moradores expuseram dúvidas, ao mesmo tempo em que manifestaram opiniões, favoráveis e contrárias à iniciativa. No entanto, Françoise explica sobre as etapas de tombamento: “Agora não é momento de apresentar parecer contrário à decisão do Conselho. Isso porque os imóveis estão apenas indicados e não tombados. Vamos fazer um dossiê de tombamento para cada casa e apresentar uma por uma ao Conselho Deliberativo do Patrimônio, que por sua vez pode determinar ou não o tombamento provisório. A partir daí, o proprietário será notificado e poderá apresentar impugnação, que será encaminhada ao Conselho. Caso concorde e acate o recurso apresentado pelo proprietário, o processo é anulado. Mas, caso o Conselho não acate, o tombamento se torna definitivo.” 

“De acordo com a Lei 3.802, de 1984 (Constituição Federal), o direito ao contraditório é dado no momento do tombamento provisório, quando os moradores são notificados e têm então um prazo para manifestar”, acrescenta Carlos Henrique.

Antídoto contra verticalização

A ceramista, Erli Fantini, teve sua casa à Rua Estrela do Sul indicada para tombamento e diz ter aprovado. “Eu já cuido da preservação de minha casa desde sempre.  Aprovo o tombamento, particularmente, porque ficarei livre do pagamento do IPTU, já que pago dois, pela casa e pela oficina de cerâmica nos fundos, que a prefeitura insiste em classificar como estabelecimento comercial. Além disso, poderei utilizar os benefícios financeiros oferecidos para manutenção do patrimônio cultural. Coletivamente, o tombamento urbano do bairro irá garantir a nossa qualidade de vida, manter viva a história, evitar a verticalização e o aumento do trânsito em nossas ruas. Vim à reunião não para contestar, mas para me inteirar melhor sobre o assunto.” 

O professor Cláudio Procópio, neto do Capitão Procópio, que dá nome à rua onde ele reside, participou da reunião para esclarecer algumas dúvidas, mas considera o tombamento positivo. “Ter minha casa indicada para tombamento, deixou-me mais tranquilo em relação à verticalização do bairro e a preservação das suas características interioranas, principalmente porque são quatro casas, uma ao lado da outra na Rua Capitão Procópio. É uma valorização do lugar onde a gente vive.” 

Durante a reunião, vários moradores se manifestaram contra as medidas de proteção do bairro, principalmente no que tange ao tombamento dos imóveis residenciais. Rachel Rahme e o filho Rolmer não ficaram satisfeitos com a indicação da casa nº 27 da Rua Bom Despacho. O imóvel foi construído em 1946 e deixado de herança à Rachel, juntamente com outro em que dividia lote – este a herdeira derrubou e levantou uma casa nova, na qual reside hoje com os dois filhos. 

Os herdeiros temem ser impossibilitados pelo Patrimônio de executarem reforma na casa mais antiga, que se encontra alugada. “A casa está com rachaduras na parede e tem risco de cair. Já tínhamos programado uma reforma que incluía a afixação de colunas de sustentação e a construção de uma varandinha em cima, mas agora fica complicado”, reclama Rachel.

Em relação à proteção do conjunto urbano, que objetiva preservar as características atuais de Santa Tereza, Rolmer pondera: “A proteção é positiva, mas não concordo com os critérios. Na nossa rua, por exemplo, só duas casas foram indicadas. As outras todas são novas e modernas. Então, acho que manter só duas não justifica e essa rua poderia ficar de fora”, argumenta o rapaz, enquanto sua mãe estende a posição contrária para toda a iniciativa: “Sou contra o tombamento do bairro, acho um absurdo! Na minha opinião, seria suficiente se proibissem a construção de prédios, determinando a altimetria de dois andares. Há coisas muito mais importantes para serem resolvidas aqui e a prefeitura trata com descaso, como problemas na rede hidráulica, iluminação, uso e tráfico de drogas, assaltos…” 

Mário Scalzo, acompanhado pela filha Andreza,  também estava contrariado com a indicação de sua casa, localizada na Rua Itacolomito. “Vou perder a liberdade de fazer o que quiser no meu imóvel. Eu tenho filhos e netos e não quero deixar de herança um bem no qual eles não terão liberdade. Eu conservei até hoje a casa que foi do meu pai, por opção minha, mas amanhã posso preferir derrubá-la e construir outra. Essa escolha tem que ser só minha e da minha família”, enfatiza. 

Exemplo bem-sucedido 

Wanda Godoi com a foto de sua casa já tombada a seu pedido
Wanda Godoi e a filha com a foto de sua casa já tombada a seu pedido

Dona Wanda Monteiro de Godoi, presente na reunião, teve tombada a casa em que mora há 57 anos com as filhas, na rua Bom Despacho. Pela experiência, a família é bem favorável. “O tombamento foi em 2009, quando, por iniciativa própria, procuramos a Diretoria de Patrimônio, que nos ajudou muito. A casa estava com sérios problemas e precisava de uma reforma geral, mas não tínhamos o recurso e pensávamos em vendê-la. O tombamento então foi acelerado e tivemos acesso aos benefícios, o que foi muito bom para nós”, conta a proprietária, que recebeu de herança dos pais a casa construída em 1936. 

Pelo programa ‘Adote um Bem Cultural’, a casa de dona Wanda foi contemplada com recursos de empresas privadas, que investiram na revitalização tendo em troca o incentivo fiscal da prefeitura. “Foram vários incentivos, que nos permitiram reformar o telhado, a rede de esgoto, restaurar portas e janelas, forros, pintura interna e externa, mantendo tudo original. A casa ficou linda, novinha!”, descreve orgulhosa Dona Wanda, que decidiu ficar na casa e resguardar a história da família.

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