Esclarecendo alguns pontos sobre a democracia: as democracias direta, representativa e participativa no Brasil - Santa Tereza Tem
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Esclarecendo alguns pontos sobre a democracia: as democracias direta, representativa e participativa no Brasil

Os acontecimentos recentes no país têm trazido à tona um personagem antes desconhecido. O cientista político. Ou, no meu caso, a cientista política. Sempre me peguei tendo que explicar minha profissão que não tem, necessariamente, um sentido ou objetivo único. Ainda mais porque, para mim, o mais importante na Ciência Política é o processo. Então, se um médico explica sua profissão dizendo que cura doenças ou, mais especificamente, se um ortopedista explica que cura doenças/problemas da ossatura humana, o cientista político não tem como fazer essa explicação óbvia.

Seria o ortopedista descrevendo raio-x, ressonância magnética, gesso, reposição de cálcio e todos os remédios para artrose, atrite e outras doenças. Na verdade, todas as profissões são mais complexas do que imaginamos, com mais meios e fins, mas conhecemos o que nos é familiar, com o qual passamos mais tempo. Talvez esse seja o momento que o Brasil conhecerá a Ciência Política e alguns de seus meios e fins.

Decidi começar com uma breve explicação da democracia. Não sou uma especialista, como o ortopedista é especialista em ossos, mas sei o suficiente para tentar esclarecer alguns pontos. (Inclusive, é possível que algum ex-professor resolva me dar uma bronca após isso tudo). Porque, afinal de contas, se você parar para pensar no que é a democracia, é possível que vá se perder em seus pensamentos.

Começando do começo: a ágora (reparem: é ágora e não agora. Para quem não se lembra, porque as aulas de História sobre Grécia Antiga eram poucas e pouco profundas), era a praça principal em uma cidade grega, onde os assuntos de interesse da cidade eram discutidos por todos os cidadãos (homens brancos e livres, claro). Como se podem imaginar, as cidades gregas eram minúsculas, mesmo Atenas e Esparta. Além disso, participar dessas reuniões não era uma escolha, era uma obrigação. Isso é o que agora chamam de democracia direta.

Pulando alguns séculos, chegamos aos Estados-nação. (Bom, se for para discutir o conceito de nação isso iria virar um livro, que já existe, chamado “Comunidades Imaginadas”, de Benedct Anderson. Leitura recomendada). Os estados-nação eram regidos por monarquias absolutistas, ou seja, um rei ou rainha que supostamente era ungido por Deus, comandava todos os assuntos do Estado. Por várias razões, dependentes da história de cada local, esse sistema não sustentou, como sabemos. Se existisse agora, uma pessoa detendo todo o poder de decisão de um Estado chamaríamos de ditadura. Em lugar da monarquia absolutista, entrou a democracia representativa.

Essa tomou e toma várias formas durantes os séculos. Por exemplo, pode ser uma monarquia, desde que tenha um parlamento, ou seja, uma monarquia constitucional. É assim no Reino Unido, na Dinamarca e na Espanha, por exemplo. Dessa forma, o rei ou rainha fica como chefe do Estado, um cargo imutável e, essencialmente, com poder apenas simbólico e o chefe do Parlamento fica como chefe do governo, que muda com as eleições e detém o verdadeiro poder de decisões.

Como a América é um continente de colonizados, não se acha uma dessas por aqui. De forma geral, nós – americanos – decidimos pelo presidencialismo. O presidencialismo, basicamente, é um sistema onde um presidente é chefe de Estado e de governo. No caso do Brasil, de acordo com a Constituição de 1988, nós temos a divisão dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Sem muitas delongas, o Legislativo cria as leis, o Executivo as executa e administra o Estado e o Judiciário julga sua constitucionalidade e as pessoas que agem fora da lei. No entanto, o Executivo brasileiro tem a prerrogativa de propor leis para serem votadas pelo Legislativo.

Apesar da ínfima recuperação histórica que fiz aqui, o fato é que a democracia é, antes de tudo, um desejo, um pensamento, uma ideia. Na prática, a democracia pode ser um infinito arranjo de instrumentos e instituições que devem seguir apenas o princípio de ser do povo e para o povo.

Um dos grandes debates da Revolução Francesa foi sobre qual democracia deveriam ter – direta ou representativa. De um lado, havia o que queriam a democracia em sua forma pura, onde todos votavam obrigatoriamente em todos os assuntos de Estado (novamente, somente homens brancos). De outro, os mais pragmáticos, que percebiam a impossibilidade de instaurar uma ágora e de demandar dos cidadãos o tempo para votar. Afinal, os gregos tinham escravos, por isso tinham o tempo para ficarem na ágora.

E já que a Ciência Política está entrando em voga…   Alguns autores da Ciência Política, como Joseph Schumpeter, diriam que a democracia não é nada mais do que um mercado onde políticas públicas são vendidas e o dinheiro é o voto. Somente na eleição seguinte que os “compradores” (eleitores) poderiam reclamar do “produto” (a política pública oferecida pelo candidato), votando em outro político. Bom, obviamente, Schumpeter não estava de todo certo. A participação política do povo não se restringe ao voto. Outro cientista político importante, Robert Dahl, define a democracia em dois pontos: liberdade de contestação e inclusão de participantes. Na verdade, Dahl nem usa a palavra “democracia”. Para ele, o termo é tão utópico que ele cria a palavra “poliarquia”, que sempre deve tentar chegar ao ideal democrático. Ou seja, nada é perfeito. Quanto mais liberdade de contestação (que inclui liberdade de expressão, voto, manifestações) e mais inclusão (que inclui que as vozes de minorias políticas como mulheres, negros, LGBTT), mas democrática será a poliarquia. Hannah Pitkin explica a democracia representativa como algo que inclui todas essas facetas: o voto, a representatividade (no caso, o Parlamento ser minimamente similar à sua sociedade) e participação (o voto não é a única forma de “controlar” o político). Ela explica que é impossível viver sem eleições, mas que não devemos nos ater a elas. A democracia é um processo constante.

A moral dessa minha pequena história é que o Brasil é uma democracia participativa. Além do aspecto básico eleitoral – eleitor vota em candidato – nós temos audiências públicas, conselhos municipais e estaduais, conferências (regionais, municipais, estaduais e nacionais), orçamentos participativos e ferramentas para plebiscitos e referendos. E claro, nós temos a rua.

O importante é lembrar que temos todos esses instrumentos de participação. Que ninguém é obrigado, exceto pelo voto, a usá-los. Muitas vezes, o indivíduo escolhe a causa mais próxima do seu coração ou do seu interesse e toma espaço nesses locais: por exemplo, eu sempre vou à Marcha das Vadias; minha irmã prefere doar seu tempo ao direito dos animais; o Santa Tereza Tem dedica-se aos direitos urbanos e uso do espaço público. Quando o espaço político está vazio de gente honesta, ele vira espaço para oportunistas. Não é a política que corrompe, e nem todos os políticos são corrompidos: são os corruptos que ocupam os espaços que estão abertos ao povo. Quando os honestos se omitem, os corruptos se esbaldam.

Nós, do Santa Tereza Tem, fazemos questão de divulgar reuniões de conselhos (especialmente a do Conselho Comunitário de Segurança Pública, toda primeira segunda-feira do mês), audiências públicas e reuniões da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza.

Aproveite e participe das duas consultas públicas ocorrendo no site da Assembleia Legislativa de Belo Horizonte. Uma sobre o Plano Mineiro de Direitos Humanos – PMDH e uma sobre Mobilidade Urbana. Para fazer sugestões ao PMDH, clique aqui. Isso quer dizer que o PMDH e as questões de mobilidade urbana estão aberto a opiniões e votação do povo. Outro evento interessante, este presencial, é a Terceira Conferência Municipal de Cultura, em preparação para a Conferência Nacional. Participe!

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